CRISTIANE SEGATTO

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Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismoO preconceito velado (ou explícito) contra os obesos pode ser observado em vários campos da vida social. Para muita gente, gordo é o sujeito preguiçoso e com baixa autoestima que, obrigatoriamente, produzirá menos que os magros no trabalho e na escola. É também o indivíduo desleixado, que não cuida da saúde e só dá prejuízo aos empregadores e ao Estado.
O pré-julgamento que os gordos sofrem no trabalho, na vida escolar e nos serviços de saúde vem sendo estudado há vários anos. Mas há um outro aspecto que só agora tem merecido atenção dos pesquisadores: até que ponto a forma física dos candidatos a um cargo público influencia nossas escolhas políticas? A obesidade pode ser um fator tão importante a ponto de definir nosso voto?
A resposta é sim, segundo a professora Beth J. Miller, do departamento de ciência política da Universidade do Missouri, em Kansas City. Nos dias de hoje, a quantidade de gordura corporal observada em um candidato parece ter adquirido sobre a opinião pública um efeito muito mais impactante do que se imaginava.
Beth chegou a essa conclusão depois de fazer um interessante estudo com 120 estudantes de psicologia e ciência política com idade média de 24 anos. O trabalho foi publicado há duas semanas na revista científica Obesity.
Os alunos foram convidados a dar notas a quatro candidatos depois de ver as fotos deles e ler uma descrição sobre suas crenças políticas. Eram candidatos hipotéticos e não políticos conhecidos. Os voluntários não tinham, portanto, qualquer informação prévia que pudesse influenciar o julgamento que fariam.
Aqui você encontra uma amostra da experiência. Se tivesse que considerar apenas a aparência dos dois candidatos abaixo, em qual deles você votaria? No magrinho da esquerda ou no rechonchudo da direita?

FOTO 'ENGORDADA'
A pesquisadora manipulou imagens no computador para que a mesma pessoa aparecesse magra ou gorda
Caso não tenha percebido, os dois candidatos são a mesma pessoa. A imagem verdadeira é a do magrinho. Na outra, ele foi “engordado” por meio de uma manipulação de computador. Ambas foram usadas na pesquisa realizada pela equipe de Beth.
Depois de ler informações sobre peso e altura do candidato e suas crenças políticas, os avaliadores viram as fotos. Em seguida, foram convidados a dar notas de acordo com a impressão que tiveram. A avaliação devia levar em consideração traços positivos (moral, competência, capacidade de liderança, inteligência, energia, capacidade de enfrentar um trabalho extenuante) e negativos (desonestidade, preguiça, indisciplina, falta de confiabilidade) sugeridos apenas pela aparência e pelas poucas informações disponíveis.
O que Beth descobriu? Os candidatos com a mesma posição política receberam notas diferentes de acordo com o sexo e o grau de obesidade. As mulheres obesas receberam as piores notas. Na opinião dos avaliadores, elas parecem ter menos capacidade de liderança do que as magras.
Entre os homens, o resultado foi inverso. Os rechonchudos conquistaram a confiança de mais eleitores que os magrinhos. O que explica essa diferença? Eu tinha lá meus palpites, mas resolvi ir direto à fonte.
ÉPOCA – Por que as mulheres obesas receberam as piores notas?
Beth J. Miller – Acredito que as candidatas obesas foram as mais mal avaliadas porque nossa cultura exige que as mulheres sejam magras. Essa pressão cultural (reforçada pela mídia) é muito mais forte sobre as mulheres do que sobre os homens.
ÉPOCA – Por que os homens obesos se saíram melhor que os magros?
Beth – Novamente acreditamos que isso seja reflexo da pressão cultural. A sociedade tende a aceitar com mais facilidade que os políticos do sexo masculino tenham um corpo grande e largo. Ao ver a foto de um candidato mais corpulento, as pessoas tendem a associá-lo a uma pessoa mais forte, com mais massa muscular e, portanto, mais apta a uma rotina pesada.
ÉPOCA – A forma física tornou-se um aspecto tão revelante na avaliação de um candidato a ponto de definir o voto do cidadão?
Beth – Nosso estudo sugere que o sucesso dos candidatos (principalmente das candidatas) numa eleição depende mais dos esteriótipos sobre atributos físicos do que se imaginava. As explicações tradicionais para a escolha de um candidato - ideologia, partido, posições sobre temas específicos - continuam importantes. Mas a aparência física parece desempenhar um papel mais importante do que os pesquisadores e os próprios candidatos notaram até hoje. Quem pensa em disputar um cargo político não deve ignorar esses esteriótipos.
O estudo de Beth foi feito com um público muito específico: estudantes universitários. Apesar dessa limitação, trouxe resultados intrigantes. Para testar até que ponto é possível fazer generalizações a partir desses dados, o próximo passo da equipe será aplicar o estudo à população geral.
Confesso que o resultado da pesquisa não me surpreendeu. Ele me parece bem coerente com a intolerância social reservada à obesidade feminina. Mulheres gordinhas são vistas como desleixadas, fracas, desinteressantes. São punidas com o patrulhamento feroz das outras mulheres - em geral, magras que não toleram perceber nas gordinhas os indícios de celulite sob a roupa justa.
De uma forma geral somos mais condescendentes com a obesidade masculina. O homem gordinho é visto como o bonachão, o boa-praça ou (como revelou a pesquisa americana) um sujeito forte que apenas tem, digamos assim, um excesso de fofura.
A cultura da magreza tem sido implacável com as mulheres. Mas cabe a cada uma de nós se rebelar contra o patrulhamento. Toda vez que uma moça jovem e bonita morre numa clínica de lipoaspiração porque queria ter o corpo das estrelas das capas de revista penso que alguém precisa dar um basta nessa autoflagelação. E esse basta só pode partir de dentro de cada uma de nós.
Você se internaria num hospital, feliz da vida, se tivesse que operar o apêndice? Então por que tantas mulheres se submetem, lépidas e faceiras, a uma cirurgia (e aos tantos riscos inerentes a ela) como se aquilo fosse apenas uma ida ao cabelereiro?
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Por que tantas mulheres se submetem a sucessivas lipos? Lipoaspirar é enxugar gelo. A gordura pode não retornar ao mesmo ponto de onde foi retirada mas, basta comer um pouquinho mais ou descuidar dos exercícios, para a gordura se acumular perto dali ou em outro ponto qualquer.
A ditadura da magreza é opressora? Sim, é. Por que ela sobrevive? Por que muitas mulheres aceitam se submeter a ela. É hora de derrubar esse general que, muitas vezes, vive dentro de nós. Vou começar aqui uma campanha pelo relaxamento. É preciso relaxar. E isso não significa ser descuidada com o corpo. Significa não ser neurótica.
Você se alimenta bem, faz ginástica, gasta dinheiro com tratamentos estéticos e uns creminhos. Ainda assim tem celulite, flacidez ou uns quilinhos a mais? Bem-vinda ao clube das mulheres de verdade. Nós somos o padrão. Se alguém foge do padrão não somos nós. São as pouquíssimas magérrimas, lipoaspiradas, photoshopadas, plastificadas que aparecem nas capas de revista.
É preciso entender que essas mulheres dependem da aparência física para sobreviver. Não é o caso da maioria de nós. Se você não precisa das suas curvas para pagar as contas no final do mês, respeite-se mais. E respeite as outras mulheres (normais, gordinhas ou obesas) que movem a sociedade -- dentro ou fora da política.
Você sofre preconceito por ser obeso ou obesa? Como acha que as mulheres devem enfrentar a ditadura da magreza? Queremos ouvir a sua opinião.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)
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