terça-feira, 4 de agosto de 2009

PAI DE COLLOR ASSASSINOU SENADOR EM 1963



Três tiros no Senado
07/10/2007

BERNARDO MELLO FRANCO, de Brasília


REPRODUÇÕES

O MORTO. Baleado diante da família



Renan Calheiros mal havia pendurado a fralda quando outro senador alagoano pisou com raiva no carpete azul, subiu os quatro degraus que levam à tribuna, pôs a mão sob o paletó e - pow! pow! pow! - atirou três vezes contra um colega que assistia de pé ao discurso. Ainda não se ouvia falar em quebra de decoro parlamentar quando Arnon de Mello, pai do ex-presidente Fernando Collor, apontou o revólver na direção do maior inimigo, Silvestre Péricles. Aos 67 anos, o pessedista encontrou agilidade para se abaixar da linha de tiro. Mas uma das balas acabou no peito de José Kairala, suplente acreano que convidara mulher e filhas para vê-lo em ação no último dia de mandato.

Corria a tarde de 4 de dezembro de 1963 quando o udenista Arnon, dono da Gazeta de Alagoas, foi ao microfone para denunciar as ameaças que sofria do rival. A quatro meses do golpe militar, Brasília ainda era um enorme canteiro de obras, cheirando a poeira e cimento fresco. A briga acirrada dos alagoanos destoava do tom pacífico, quase sonolento que marcava as discussões no Senado. Era vista como uma disputa paroquial - uma das excentricidades que os donos do poder já estavam acostumados a observar, com curiosidade, na recém-inaugurada capital da República. Mas preocupava os mais cautelosos, a ponto de o presidente da Casa, Auro de Moura Andrade, abrir a sessão com a advertência de que manteria a ordem a todo custo.

A resposta vem armada



DECORO. No plenário, a cena do crime



Primeiro orador inscrito, o pai de Collor abriu os trabalhos mostrando a que veio. Com a tradicional pompa parlamentar, anunciou:

- Senhor presidente, com a permissão de Vossa Excelência, falarei de frente para o senador Silvestre Péricles de Góes Monteiro, que me ameaçou de morte.

A frase foi suficiente para levar Péricles, que conversava com um colega no fundo do plenário, a apressar-se em direção à tribuna. De dedo em riste, gritou:

- Crápula!

"Dois disparos consecutivos foram a resposta do Sr. Arnon de Mello", publicaria no dia seguinte o jornal O Globo. Péricles se jogou no chão, sacou o próprio revólver e se esgueirou entre as poltronas. O terceiro tiro acabaria alojado no teto da sala. O relato que se segue na reportagem parece extraído de uma coletânea de pérolas do humor negro:

"O senador Adalberto Sena, que na sessão estava ao lado do senador Kairala, disse que, logo após o senador Arnon de Mello ter disparado o primeiro tiro, o representante acreano virou-se e disse: `Estou ferido`. Como nada tivesse notado, o senador Adalberto Sena disse-lhe: `Está nada`, mas imediatamente o seu colega caiu ao chão".

O primário violento e o intelectual

EXCELÊNCIA. Jornal defendeu assassino


Retiradas as armas, os dois senadores foram levados para a custódia de militares - Péricles no Quartel-General do Exército, e Arnon, no da Aeronáutica. Atendido no Hospital Distrital, Kairala chegou a receber 18 litros de sangue, mas morreu na sexta parada cardíaca.

Amigo e sócio de Roberto Marinho, Arnon posaria de vítima no jornal do dia seguinte. Discorre o editorial, na primeira página: "A democracia, apesar de ser o melhor dos regimes políticos, dá margem, quando o eleitorado se deixa enganar ou não é bastante esclarecido, a que o povo de um só estado - como é o caso - coloque na mesma casa legislativa um primário violento, como o Sr. Silvestre Péricles, e um intelectual, como o Sr. Arnon de Mello, reunindo-os no mesmo triste episódio, embora sejam eles tão diferentes pelo temperamento, pela cultura e pela educação".

Sem a necessidade de uma votação secreta, o bangue-bangue parlamentar terminaria em pizza. Ânimos amainados, os protagonistas voltaram à rotina e terminaram seus mandatos com tranquilidade. Se havia mulher na briga, que faria Renan corar de pudor, as revistas masculinas não ficaram sabendo.

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