domingo, 7 de junho de 2009

O MARAJÁ DE CAÇAPAVA ( SP) - CIDADE PRÓXIMA À S. JOSÉ DOS CAMPOS/SP


Sociedade
O marajá de Caçapava

Comerciante conhecido como Bunny, morador no interior
de São Paulo, fez o caminho da novela ao contrário
e domina a importação de produtos indianos


Juliana Linhares

Lailson Santos


INDIANO PROGRESSIVO
Bunny, com Mirinha, faz escova e depila as bochechas: "Não gosto de parecer um monstro peludo"


Ninguém assiste a Caminho das Índias como Sarabjeet Singh Bedi. Pelo nome já dá para perceber que ele tem algo mais do que o interesse corriqueiro em saber quando Raj vai descobrir tudo e brigar com Maya, antes da reconciliação final. Aliás, muito, muito mais: o comerciante indiano conhecido pelo apelido de Bunny presta a máxima atenção na novela para ver se as almofadas do sofá da casa de Opash estão bem cheias e se as estatuetas de madeira da casa de Manu aparecem inteiras no vídeo. Verificados os detalhes vitais, Bunny, radicado na simpática Caçapava, no interior de São Paulo, sorri aliviado e começa a fazer contas. Nos próximos dias, objetos semelhantes aos que vendeu à Rede Globo terão um aumento de procura de pelo menos 50% em suas lojas. É bom preparar os estoques. O marajá comerciante de Caçapava ainda traz fresco na memória, por baixo do turbante, o caso do vestido de sua loja que a atriz Juliana Paes usou em um evento. Nos dias seguintes, choveram clientes procurando o modelo. Bunny mandou fazer centenas de cópias e colocou nas etiquetas as iniciais JP. Assim, as vendedoras já sabiam que aquele era o vestido de Juliana. Residente no Brasil há quinze anos, educadíssimo, ele mexe o pescoço lateralmente, igualzinho na novela, quando indagado sobre seu lugar na pequena casta dos cinco grandes importadores de roupas e objetos de decoração indianos no país. Seu advogado, João Batista das Dores Júnior, é quem responde. "Por mês, ele traz cinco contêineres da Índia, com 9 toneladas de material cada um. Os outros comerciantes, não passam de 3 toneladas", compara. Por baixo, são 2 milhões de roupas trazidas por ano. "É muito coisa", diz Bunny, num português quase perfeito.

Bunny é sikh, uma minoria religiosa de apenas 25 milhões de seguidores no infinito oceano de mais de 1 bilhão de indianos. São poucos, mas aparecem: todos os homens usam Singh, que quer dizer leão, como nome do meio ou sobrenome. Também não podem cortar barba nem cabelo, enrolado sob os obrigatórios turbantes. Aos 37 anos, Bunny mantém as capilosidades intocadas. No dia a dia, "para não assustar as pessoas", diz ele, faz um rolinho da barba e o esconde no emaranhado dos fios do queixo. A cabeleira, que chega ao meio das costas, é presa em um rabo de cavalo. Uma vez por mês, a caçapavense Semírames Bedi, mulher de Bunny, de 29 anos, faz hidratação nos cabelos do marido. A cada três ou quatro meses, dá-lhes outro tratamento brasileiro, a escova progressiva. Embora fiel às tradições, o indiano também dá uma depilada, com cera quente, na parte da barba que fica sobre as bochechas. "É que eu não gosto de parecer um monstro peludo", explica, vaidoso do alto dos turbantes à ponta dos pés, de unhas feitas semanalmente. Os turbantes medem 5 metros de comprimento por 1 e meio de largura e preenchem toda a paleta de cores, para combinar com as roupas. Os preferidos de Bunny são os em tons de vinho, rosa e branco. Dos objetos obrigatórios para os sikhs, Bunny usa ainda um bracelete de aço no braço direito, mas abandonou três outros adereços tradicionais: a espada, que é amarrada com uma corda e pendurada ao longo do corpo, por baixo da roupa; um pente, que segura o cabelo sob o turbante; e as ceroulas de algodão. "Só ponho tudo isso na Índia, para agradar a meus pais", diz.

Bunny e Semírames, ou Mirinha, como ela prefere, se conheceram em Caçapava, para onde ele havia se mudado, embora mantendo negócios e escritório na 25 de Março, o Ganges comercial de São Paulo. "Sabia que Raj é de Caçapava?", pergunta Bunny, proclamando o orgulho local no bem-sucedido personagem de Rodrigo Lombardi. Ao contrário das paixões novelísticas, o namoro começou bem devagarzinho. "Bunny não era nenhum Gianecchini", reconhece Semírames. A coisa evoluiu, mantidos os padrões de castidade – não rolava nem beijinho –, e Bunny avisou os pais que pretendia se casar com uma firanghi (palavra que já quer dizer estrangeiro; portanto, acrescentar o adjetivo é pleonasmo justificado apenas em novelês). Vencidas as resistências familiares, o casamento indiano teve três dias de festa. Só no último deles, havia 3.000 convidados. "Ficamos sentados em duas poltronas, em cima de um palco, recebendo os cumprimentos e envelopes com dinheiro dos parentes e amigos", relembra Semírames. Desde então, Mirinha caiu no gosto da sogra. "Ela me enche de joias. Quando tento recusar, ela fala que mulher que não gosta de ouro é burra." Prableen, a filhinha de 4 anos do casal, já aprendeu a lição. "Só gosto de vestido que brilha", diz. Semírames também já se acostumou ao fato de que, na Índia, as mulheres da família não falam mal umas das outras – ouviu bem, Surya? "Uma vez falei que o vestido de uma prima de Bunny era feio e ele ficou chateado. Dei muita gafe no começo", resigna-se, hoje tão habituada aos costumes que até balança a cabecinha de um lado para o outro, em perfeita sincronização.

Bunny é encantado com sua vida no Brasil. Nem liga para o negócio tradicional da família, que tem mais de 100 hotéis em Nova Délhi e Mumbai. "Fiz muito dinheiro aqui. Mas também perdi muito. Não sei investir direito. Deus é que me transformou de burro em cavalo", diz. O comerciante tem poucos concorrentes, quase todos sikhs, como ele, com loja no mesmo prédio da 25 de Março. "Competimos até as 18 horas. Depois, vamos jantar juntos", diz o conterrâneo Manik Jaspal, que também é fornecedor da novela. "Compram mais roupa comigo do que com ele", espeta Jaspal. "Mas tenho de dizer que Bunny tem as peças de madeira mais exóticas entre todos nós", corrige. Jaspal acaba de mandar para a Globo um biombo de seda que deve entrar na casa de Maya. De seu lado, Bunny credita à sua loja a estátua de Shiva que aparece na abertura de Caminho das Índias. "Há espaço para todos. Depois da novela, estima-se que as vendas de produtos indianos no Brasil tenham aumentado dez vezes", diz Roberto Paranhos, presidente da Câmara de Comércio Índia-Brasil. E Bunny, está gostando da novela? Sim. Mas acha que só agora acertaram na maquiagem de Maya, com o traço de kajal avançando em direção às sobrancelhas, como fazem as indianas, e que há um certo exagero nas roupas dos homens. "Ninguém se veste daquele jeito no dia a dia. Só em festas. Mas não vá escrever isso, tik he?"

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