segunda-feira, 29 de junho de 2009

A BISPA, O KAKÁ, FAUSTÃO, SENADO BRASILEIRO, ETC...


29/06/2009 - 07h00

A bispa, o jogador de futebol e o marqueteiro

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Marcelo Mirisola*

Crise no Senado? Políticos? Eu me espanto com outras coisas, e o engraçado é que – a meu ver – essas “coisas” ou aberrações são muito mais esdrúxulas e potencialmente mais comprometedoras do que, por exemplo, o fato de um Senado podre continuar aberto ou Lula defender a lisura na reeleição de Ahmadinejad.

Que outras coisas são essas? Vejam só o que diz a notinha aparentemente despretensiosa publicada por Ancelmo Gois no jornal O Globo (13/6): “Kaká, o craque que trocou o Milan pelo Real Madrid, deu entrevista exclusiva a Luciano Huck. Falou até da Renascer: ‘o que a (bispa) Sônia Hernandes fez ou deixou de fazer é problema dela e da Justiça. Ela conhece minha família e a mim desde pequeno, não vai ser agora que vou abandoná-la’”. Em seguida, Gois esclarece que a entrevista de Kaká iria ao ar no próximo sábado, e completa a informação: “aliás, Luciano avisou da entrevista no Twitter, a comunidade virtual dos miniblogs. Em 15 minutos, a mensagem foi lida por 8 mil internautas”.

Senado? Essa “instituição” está mais decrépita, descolada da realidade e vazia do que as arquibancadas do Jockey Club de São Paulo. Que representatividade? O que esses velhacos representam? Você? A República?

Qual é a próxima piada? Vai me dizer, distinto internauta, que você é um entusiasta dos panegíricos proferidos pelo imortal Zé Sarney na tribuna da “Acadimia” Brasileira de Letras, e – não satisfeito – o nobre leitor ainda é do tipo que manda flores e sustenta uma amante argentina chamada Carmela, e vibra com o dia do escoteiro também?

Esses senhores de jaquetão e cabelos pintados não representam coisa nenhuma. O tempo deles acabou. Só falta enterrar, e encomendar pro capeta.

Voltemos ao Brasil, junho de 2009. Copacabana, Túnel Major Vaz. Um casal de adolescentes e mais um garoto travesti copulam na via dos pedestres. Outros garotos gritam no entorno e jogam paus e pedras nos transeuntes que, para não invadir a pista, se espremem entre o lixo e a merda dos mendigos. O garoto travesti tem peitinhos de pitomba. Oferece o pauzinho de criança pra quem quiser chupar.

Enquanto isso, o que acontece em Brasília? Senado? Quem manda nessa birosca? De que jeito? Para quê Legislativo e Judiciário se temos os bancos, as empreiteiras e o Lula? Quer dizer... até que a crise econômica os separe – do fundo do meu coração subversivo é o que espero.

E os grupos de comunicação, o tal “quarto poder”? Também estão indo para o ralo. A tecnologia que era para ser um instrumento de suporte os engoliu e, recentemente, o blogue da Petrobras pôs em xeque um dos seus últimos recursos de sobrevivência: as fontes. Isso sem falar que suas principais receitas, a venda de jornais e a publicidade, estão entubadas na UTI, vegetando. Eu acho engraçado. E me divirto ao acompanhar aquelas figuras antigas chamadas “formadores de opinião” desdobrando-se em seres “bloguentos” a contragosto, esse mundinho – caro leitor – também desmoronou. Hoje não existe informação de uma única catedral, apenas meios de informação e meios de desinformação – que lixo, que alívio! Se existe uma crise pairando sobre todas as outras, essa crise é, por excelência, de representatividade – ampla, geral e irrestrita. Ninguém representa mais ninguém. E não é só na Casa da Mãe Joana que atende pela alcunha de Senado brasileiro. Se o virtual leitor quiser estender esse desligamento ao seu respectivo lar,

à sua filha adolescente entediada e às dividas que acumulou no seu cartão de crédito, não se acanhe. E seja bem-vindo ao século XXI.

Fico constrangido em escrever isso. Mas será que dá pra entender que o Mundo não é mais aquele lugar abestalhado que se comovia com o Mágico de Óz? Judy Garland está para Maisa, a menina monstra, assim como Goebbels está para Silvio Santos. O Boninho é filho do Boni. E o Pluto é filho da Pulta. Tecnologia é foda, merrrmão.

Voltemos à falecida República da Mãe Joana. O Senado e as assembléias legislativas e as câmaras municipais são ilusões de um trem fantasma há muito descarrilado. Só funcionam na base do roubo e da presunção de uma inocência viciada: de um lado uns tiozinhos nojentos se locupletam e, do outro, os trouxas votam neles e pagam suas contas. Aí neguinho vai me dizer: “a democracia é uma merda, porém as outras opções são muito piores”. Também acho. Mas já que Montesquieu não serve nem para enredo de escola de samba, e já que o Stédile afinou e o Che Guevara virou mocinho dos filmes do Waltinho Salles... bem – já que não temos opção diferente do mundo virtual – preferiria que aparecesse logo um Bin Laden e jogasse um avião carregado de bosta em cima do Senado, para começo de conversa.

A questão é: fora desse sistema ultrapassado de divisão de excrementos no parquinho fantasma, onde, afinal de contas, está o poder que emana do povo? Quem são os novos mandatários, ou melhor, quem foi que resistiu à passagem do tempo, e quem exerce uma representatividade efetiva, pra valer? Querem saber?

As baratas. Apenas as baratas e os insetos mais pegajosos sobreviveriam à grande hecatombe. Essa bola foi cantada. E as baratas e os vermes, e os ácaros e os nematóides estão todos na área, alegres e saltitantes, festejadíssimos e desfrutando de um poder devastador.

Dá uma espiada aí em cima, caro internauta. Releia a nota ingênua e aparentemente despretensiosa do Ancelmo Gois.

A bispa, o jogador de futebol e o marqueteiro

Vocês ainda se escandalizam? Com o quê? Com uns tiozinhos bizonhos que roubam o dinheiro público? E a alma, não conta? Há quase três décadas que o brasileiro estuda na escolinha do prof. Faustão, e a Rede Globo acaba de renovar o contrato desse “apresentador” por mais sete anos. Façam as contas: diante do estrago causado ao longo de quase trinta anos de Faustão e assemelhados, um carteado patrocinado por Roseana Sarney é coisa para não fazer cócegas. Não estou aqui defendendo a roubalheira e o mal caratismo dessa gente, mesmo porque – como eu afirmei há pouco – eles são íncubos de uma época que já passou. Era só o que me faltava. O que eu quero é pesar o mal, falar dos desdobramentos, dimensionar os estragos. Façam um levantamento, e confiram a quantidade de merda que saiu desses domingões de esgoto eterno.

Guernica foi bombardeada no decorrer de uma tarde de segunda-feira. Apenas uma tarde. Zezé di Camargo e Luciano, Banda Calypso, Xuxa – quantas vezes essa senhora (só ela) compareceu no açougue do gordo ao longo dessas décadas?

Enfim, não pretendo discorrer (mesmo porque não tenho estômago) sobre os urubus que se auto-alimentam nesse lixão, um beijo, Hebe; quero apenas dizer que eles são os responsáveis pela fedentina, e pelo lixo que somos obrigados a consumir alegremente.Todo domingo – como se nada estivesse acontecendo – há quase trinta anos, uma nova Guernica é bombardeada a partir do Projac.

Eu acredito que os massacres perpetrados na alminha feliz são proporcionalmente mais comprometedores e danosos do que qualquer holocausto, pior do que qualquer Otan mandando lenha em cima de Kosovo, pior do que Bikernau, Camboja e Guantámano juntos. Pensem bem. O que é mais devastador? Uma criança rebolando na boquinha da garrafa para 20 milhões de espectadores ou a notícia remota de um genocídio em Ruanda? Querem saber de uma coisa? Para mim, Fausto Silva é tão culpado quanto Stalin, Hitler, Milosevic, Pol Pot, Fidel, Pinochet e Mengele e todos os carrascos da direita e da esquerda. Nem vou falar em Igrejas e Futebol. Exagero meu?

Copacabana. Túnel Major Vaz. “Taií” o resultado: chupem a pica do menino travesti, ele gritava “Sou Ivete, sou Ivete” você que curte o swing da baiana, então chupa gostoso. A propósito: morreram 700 mil pessoas em Ruanda, todos os cadáveres somariam uns dois pontos de audiência no Ibope, eu acho. Não dá nem pra começar. Em números absolutos, a primeira crosta de sujeira do umbigo do gordo daria muito mais “retorno” – pelo menos para as financeiras que anunciam no “Domingão”. E uns estúpidos ainda pensam que vão consertar o mundo com bobagens politicamente corretas. Cada vez que Faustão fala a palavra “consciência” uma Guernica vai pro saco. Impressionante como ele insiste nessa maldita palavra, reparem.

A bispa, o jogador de futebol e o marqueteiro. Infelizmente é tarde, o futuro foi cancelado e o círculo se fechou.

Como é que dá para respirar nesse lugar peçonhento? Quais as opções? Dreher no café da manhã? Uma corda no pescoço? O que mais eu poderia fazer para garantir o mínimo de humanidade? Como é que vou resgatar meu humor? O que dizer de sensato? Valha-me, Bin Laden?



*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

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