terça-feira, 26 de janeiro de 2010

EXÉRCITO AMERICANO NO HAITI - NÃO SAIRÃO TÃO CEDO!

Antonio Ramalho da Rocha: "EUA não sairão tão cedo do Haiti"

Em entrevista a ÉPOCA, professor da UnB diz que a comunidade internacional terá que se acostumar com o protagonismo americano e evitar que o Haiti continue sendo um "cemitério de projetos"

José Antonio Lima


AJUDA HUMANITÁRIA
Fuzileiros navais dos Estados Unidos descarregam alimentos e água para sobreviventes em Leogane, no Haiti
O protagonismo exercido pelos Estados Unidos no esforço para recuperar o Haiti após o terremoto devastador do dia 12 causou muita polêmica. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, se apressou em dizer que o Brasil, líder da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), ficaria mais cinco anos no país caribenho. O ministro das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, chegou a dizer que os EUA tinham "anexado" do aeroporto de Porto Príncipe. E o eterno crítico dos EUA Hugo Chávez, presidente da Venezuela, afirma que o envio de 20 mil soldados para o Haiti é uma "ocupação".

A diplomacia americana se esforça para evitar esse tipo de crítica e na sexta-feira (22) a Casa Branca repetiu que "respeita a soberania" do Haiti. Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Jorge Ramalho da Rocha, quem está incomodado com a atuação americana terá que se acostumar a ela. "Os EUA sempre terão uma presença importante no Haiti", disse ele a ÉPOCA.

Ramalho da Rocha, que passou um ano e meio no Haiti e ajudou a implantar o Centro de Estudos Brasileiros em Porto Príncipe, alerta que o papel americano é fundamental para a reconstrução do Haiti, mas que a comunidade internacional precisará, assim que possível, mudar o perfil da Minustah. Segundo ele, para evitar o desgaste natural que afeta todas as missões estrangeiras, é preciso privilegiar ações concretas de desenvolvimento econômico e trabalhar para fortalecer o Estado haitiano, fazendo com que o país deixe de ser "um cemitério de projetos".



ÉPOCA – Os EUA ainda têm mais de 100 mil soldados no Iraque e 66 mil no Afeganistão. No Haiti, o número de soldados chegou a 15 mil. Quais são as motivações americanas?
Ramalho da Rocha – São dois fatores. O primeiro é o temor do surgimento de ondas de imigrantes ilegais, o que aumenta muito na situação atual. O outro é a percepção de que há no Haiti a necessidade de estabelecer uma governança física para que seu território não seja usado com o fim de promover ou dar guarida a crimes como o tráfico de drogas. Além disso há uma pressão da comunidade haitiana nos EUA, que se concentra principalmente em Miami. É uma comunidade importante, menos que a cubana, mas não deixa de ter capacidade de influenciar. Tudo isso sem contar a comoção geral e o fato de o Haiti ser uma oportunidade para o presidente Obama, que está sofrendo uma série de desgastes, mostrar uma capacidade de iniciativa em prol de uma causa percebida pela população americana como nobre.


ÉPOCA – O tamanho da devastação causada pelo terremoto deixa claro que será um trabalho de anos para recuperar o país. Os EUA não fazem parte da Minustah. É possível crer que vão deixar o Haiti após determinado período?
Ramalho da Rocha – Eles não pretendem sair tão cedo e terão sempre uma presença importante no Haiti. Os EUA têm oficiais de ligação e mesmo na Minustah a presença americana não é nula. Eles não contribuem com tropas, mas há funcionários da ONU no Haiti que são americanos, como alguns da área de inteligência. E os recursos que eles mandam para o país por meio da embaixada americana são vultosos. O Brasil, por exemplo, consegue investir em cooperação cerca de US$ 1 milhão por ano, enquanto o último orçamento dos EUA para o Haiti, aprovado em 2008 e válido por três anos, previa ajuda de US$ 500 milhões.


ÉPOCA – E há alguma chance de os EUA abrirem mão de seu protagonismo no Haiti?
Ramalho da Rocha – Eles vão participar impondo ou negociando os seus pontos de vista, com papel atuante, mas isso não significa que estejam disputando uma preponderância política no Haiti. A tendência é uma articulação entre os EUA e os outros países que lá estão. Há um reconhecimento explícito dos EUA ao êxito do trabalho brasileiro, militar e diplomático, e não acredito que isso vai diminuir. É muito provável que neste caso eles se amparem muito no Canadá, que tem um grande interesse na estabilização do Haiti.


"Nenhum povo gosta de ver tropas estrangeiras em seu país, mesmo em missão de paz. No caso do Haiti isso é mais grave, porque eles têm um orgulho nacional muito elevado, um amor próprio muito elevado, já foram invadidos mais de uma vez"


ÉPOCA – O que motiva o Canadá?
Ramalho da Rocha – Para o Canadá a situação do Haiti é até mais importante do que para os EUA. O país tem uma comunidade muito grande de haitianos, principalmente no Quebec, e a governadora-geral do Canadá [Michaelle Jean] é haitiana de nascimento. Essa imigração foi muito forte durante o auge da ditadura de [François] Duvalier (1957-1971) e hoje muitos são professores universitários, médicos, profissionais liberais. São pessoas com uma capacidade de influência política muito grande. Para o Canadá, mal comparando, o Haiti equivale a Cuba para os EUA. Não é apenas uma questão de política externa, mas também de política interna, pois há uma opinião pública interessada no Haiti articulada e atuante. Tanto é assim que o Haiti é o segundo país que mais recebe auxílio do governo canadense, atrás do Afeganistão. Juntos, Afeganistão e Haiti recebem 80% da ajuda externa do Canadá.


ÉPOCA – Logo após o terremoto, algumas declarações de membros do governo do Brasil e da França deixaram claro o desconforto com a intensidade da atuação americana. O que provocou essa reação? O senhor acredita que essa situação vai se perpetuar durante a reconstrução?
Ramalho da Rocha – Essa situação teve vida curta, pois já houve um acordo com o governo do Haiti [pelo qual os EUA vão coordenar a ajuda humanitária e a ONU a segurança do país]. O que houve ali foi uma inabilidade diplomática dos EUA, como no caso das bases na Colômbia. Se você olhar para o documento, vai ver que eles tinham todo o direito de fazer um acordo naqueles termos, mas teria sido mais inteligente avisar os outros países antes de publicá-lo. Isso é básico na diplomacia e não foi feito. O que houve no Haiti é que a torre do aeroporto de Porto Príncipe foi destruída e o radar inutilizado. Havia duas alternativas: ou colocavam o radar para funcionar ou o aeroporto ficaria sem nenhuma condição de segurança. Os americanos chegaram e, com essa falta de habilidade, assumiram o aeroporto porque presumiram que o custo associado a isso era menor que deixar os aviões pousarem sem que alguém controlasse os voos. Mas esse episódio já foi contornado. As pessoas ficam querendo ampliar os dissensos surgidos em um momento de estresse para todo mundo...


ÉPOCA – Alguns analistas chegaram a classificar esse início de disputa entre Brasil e EUA no Haiti como uma segunda parte do episódio em Honduras. Para o Brasil o que interessa mais no Haiti é cooperar com os EUA, não é?
Ramalho da Rocha – Sem dúvida. O Brasil está muito bem posicionado. Além do reconhecimento do trabalho feito até aqui, há uma tendência de que um volume maior de responsabilidades seja confiado ao Brasil, precisamente porque têm uma capacidade de empatia maior com a sociedade haitiana. Os brasileiros têm uma facilidade política para fazer suas propostas, entre outras razões porque também somos um país em desenvolvimento, já há uma predisposição dos haitianos de encarar nossas atitudes de uma maneira menos defensiva do que as dos americanos. Há todo um contexto político do qual o Brasil faz parte em posição favorável, que vem sendo usada habilmente com bons resultados tanto para a imagem do país quanto para a população haitiana.


"Desde os anos 60 o Haiti recebe ajuda internacional em quantidade generosa, a maior parte dos recursos vai com um carimbo específico, é recebido com muita educação, mas os projetos não se materializam"


ÉPOCA – Na terça-feira, tropas americanas ocuparam o palácio do governo em Porto Príncipe para prestar ajuda, e parte da população local questionou essa ação. Qual deve ser a reação dos haitianos se a presença americana se prolongar?
Ramalho da Rocha – Esse episódio mostrou também a falta de tato dos americanos. Eles poderiam ter juntado policiais haitianos, ou levado uma bandeira do Haiti para mostrar que aquilo era uma ação concertada com o governo do país, mas essa imagem não foi transmitida. A tendência que se observa, não só no caso do Haiti, mas em todas as missões de paz da ONU, é o seguinte: quanto mais o tempo passa, quanto mais longa é a permanência de tropas estrangeiras, mais desgastada ela é. Nenhum povo gosta de ver tropas estrangeiras em seu país, mesmo em missão de paz. No caso do Haiti isso é mais grave, porque eles têm um orgulho nacional muito elevado, um amor próprio muito elevado, já foram invadidos mais de uma vez e se sentem muito mal com a presença internacional, mesmo sendo muito cuidadosa, como é principalmente a dos militares brasileiros. Esse desgaste já existia antes do terremoto, existe ainda e vai existir no futuro. É preciso que se transmita à população haitiana a ideia de que a missão tende a transformar sua face – reduzir a presença militar, criar operação policial e ser voltada para o desenvolvimento sócio-econômico. Isso já estava ocorrendo, mas o terremoto vai retardar o processo. E há ainda um outro fator complicador. A elite haitiana usa a presença internacional para se eximir de certas responsabilidades. Por exemplo, em abril de 2008, quando houve uma onda de violência associada ao preço dos alimentos, os governantes haitianos, em vez de usarem sua polícia para reprimir a população, pediram às tropas da ONU que o fizessem, porque era mais confortável. Há um custo político na repressão, que foi transferido para a comunidade internacional, e isso não ocorreu apenas naquela ocaisão.


ÉPOCA – O Brasil vinha fazendo pedidos, antes do terremoto, para que essa mudança no perfil da missão fosse feita. Após a tragédia, essas cobranças, direcionadas à ONU e aos EUA, vieram à tona. Qual é o motivo da demora?
Ramalho da Rocha – Essa mudança depende de acordo no seio do Conselho de Segurança e essa é uma das dificuldades porque as negociações no Conselho levam em conta um conjunto de fatores, não só aqueles diretamente ligados ao Haiti. Outra dificuldade tem a ver com a realização das eleições previstas para o final deste ano. A expectativa é que a missão permaneça com o perfil atual até a transição, quando o presidente René Préval deve passar o poder a outro presidente legitimamente eleito. Isso marcaria uma etapa no Estado haitiano, pois somente uma vez na história do país um presidente eleito passou o poder para outro presidente eleito [foi o mesmo René Préval, que em 2001 foi substituído por Jean Bertrand Aristide, posteriormente derrubado]. É possível que essa eleição seja também postergada devido à situação do país, o que atrasaria ainda mais a mudança do perfil da Minustah.
ÉPOCA – Na segunda-feira (18), dois membros do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo escreveram artigo no jornal francês Le Monde detalhando o crescimento da dívida externa e a responsabilidade dos EUA e da França nessa questão. Segundo eles, o perdão dessa dívida é essencial para a recuperação do Haiti. Qual é a real possibilidade de isso ocorrer?
Ramalho da Rocha – O Haiti já é considerado um país daquele grupo de nações mais pobres que pode receber esse tipo de apoio da comunidade internacional e alguns países até já perdoaram a dívida. Mas não é isso que tem estagnado o Haiti. O que impede a evolução dos níveis sócio-econômicos do país é a incapacidade de o Estado materializar a ajuda internacional que existe. Depois dos furacões de 2008 [o furacões Fay, Gustav, Hanna e Ike atingiram o país naquele ano] muito dinheiro foi prometido ao Haiti, mas uma parte não chegou. O governo brasileiro criticou isso, mas o fato é que a parte que foi colocada à disposição não foi plenamente utilizada. Isso indica que falta capacidade técnica ao governo haitiano para produzir resultados concretos para a população. Esse é um problema grave, e que não surgiu hoje e que não guarda relação com a dívida. Perdoar a dívida vai ajudar? Sem dúvida, mas não é verdade que por conta da dívida não sobra dinheiro para outra coisa. A preocupação maior é constituir uma capacidade gerencial no Haiti, por haitianos, para que eles façam frente aos desafios que a sociedade haitiana tem.


ÉPOCA – E como isso vai ser feito?
Ramalho da Rocha – No Timor Leste, isso foi feito pela ONU [com a participação de Sérgio Vieira de Mello] porque não havia Estado. No caso do Haiti, isso terá que ser feito com a anuência e o envolvimento do presidente eleito. Em novembro de 2007, o governo haitiano entregou ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Banco Mundial e ao grupo de países doadores um projeto de investimentos de curto e médio prazo, que apontam para o final do ano que vem. Isso foi resultado de um consenso político muito arduamente construído nos últimos anos, mas se não for feito de forma apropriada pelo governo haitiano não vai ter proveito. Desde os anos 60, o Haiti recebe ajuda internacional em quantidade generosa, a maior parte dos recursos vai com um carimbo específico, é recebido com muita educação, mas os projetos não se materializam. Eles não entendem que aquilo tem que ser feito, mas sim que estão respondendo a um chamado estrangeiro. Então usam os recursos, mas não resolvem os problemas. O atual governo haitiano assumiu um conjunto de responsabilidades que já está no papel. É preciso retomar esse acordo, observar o que precisa ser transformado em função do terremoto e ver quais são as prioridades. Entre elas há ações concretas de fortalecimento do Estado, de desenvolvimento econômico, principalmente no meio rural e no setor de turismo, de organização do Judiciário, de infraestrutura. Já há um marco político que serve de base para o trabalho de reconstrução, e não é um marco imposto por um estrangeiro, mas sim decidido por um governo eleito democraticamente. Se não for assim, será dinheiro jogado fora, porque há alguns anos transformaram o Haiti em um cemitério de projetos.


ÉPOCA – Se esse trabalho der certo, ainda que seja difícil dizer o que é ‘dar certo’, será um caso inédito de sucesso da comunidade internacional?
Ramalho da Rocha – Dificilmente o Haiti se reerguirá sozinho, sem o auxílio da comunidade internacional, mas essa ajuda não pode ser paternalista. Ela tem que envolver uma decisão política e um compromisso do governo. Angola, por exemplo, contou com ajuda internacional e vem se erguendo, enquanto o Timor Leste ainda é uma incógnita. O que não resta dúvida é que é preciso um apoio financeiro, técnico e político da comunidade internacional.



Comentários

ARVÃO | SP / São José dos Campos | 26/01/2010 12:12

...E NÃO DEVEM SAiR MESMO!!!
RUIM COM ÊLES, PIOR SEM ÊLES! COM CERTEZA IRÃO MORALIZAR ESTE PSEUDO PAÍS, QUE NA VERDADE, NÃO PASSA DE UM RASCUNHO DE UMA REPUBLIQUETA MISERÁVEL E CORRUPTA. DEVEM " BUSCAR" O BABY DOC, PROTEGIDO DO SARKOZY, FAZER COM QUÊ ENTREGUE OS MILHÕES DE DOLÁRES DESVIADOS DÊSTE PAÍS E JULGÁ-LO, CONDENANDO-O À FORCA, COMO FIZERAM COM O SADAM. FALANDO EM SADAM, ONDE ESTÁ ESCONDIDO, EM QUAL CIDADE DA FRANÇA, ESTARÁ ESTE PÁRIA QUE TEM A ALCUNHA BOIOLOSA DE " BABY" DOC? O SARKOZY DEVE RESPONDER. OBAMA, MANTENHA O EXÉRCITO AMERICANO NO HAITI, SIM! O RESTO É FIGURAÇÃO E CHORAMINGOS. ARVÃO


ACESSAR VÍDEO LINK ACIMA:- JEAN CLAUDE DUVALIER, O BANDIDO QUE ROUBOU E MATOU O POVO HAITIANO

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