domingo, 24 de janeiro de 2010

BONECA BARBIE E SUA CRIADORA RUTH HANDLER

Entre a Barbie e a cadeia

Um novo livro conta a história da criadora da boneca mais famosa do mundo – incluindo fraude, condenação, doença e a morte trágica do filho, Ken
Daniella Cornachione

Revista Época

A cirurgia para a remoção da mama aconteceu em 1970, quando a mastectomia era muito mais traumática que hoje. A empresária Ruth Handler tinha 53 anos, ficou extremamente abatida e poderia ter parado de trabalhar. Preferiu tomar outro caminho na vida pós-câncer: abriu uma empresa para fazer próteses mais cômodas e naturais para mulheres mastectomizadas, do tipo que ela gostaria de ter encontrado quando precisou. Assim surgiu a Nearly Me, quarta companhia fundada pela americana Ruth, criadora da boneca Barbie, mãe de dois filhos (Barbara e Kenneth, ou Barbie e Ken), empreendedora serial, inventora e administradora.

Essa vida vibrante é contada em detalhes pela escritora americana Robin Gerber no livro Barbie & Ruth – A história da mulher que criou a boneca mais famosa do mundo e fundou a maior empresa de brinquedos do século XX (Ediouro, 273 páginas, R$ 44,90), lançado no Brasil em dezembro.

Ruth, que morreu em 2002 aos 85 anos, era hábil de marketing e tornou bem conhecida uma parte de sua história. Sempre gostou de contar como notou o prazer de sua filha, Barbara, em brincar com bonecas de papel de aspecto adulto, no início dos anos 50. Essa teria sido sua inspiração para lançar uma boneca de plástico que representasse uma moça bonita, e não um bebê, como era comum. Ruth manteve bem escondidos, porém, outros aspectos de sua vida, como a morte de Ken. Esses episódios surgem em tons nada cor-de-rosa na nova biografia.

Robin é uma escritora especializada em liderança e grandes figuras femininas, como Eleanor Roosevelt (primeira-dama dos Estados Unidos entre 1933 e 1945). Seu texto leve exibe franca admiração por Ruth, mas aborda pontos controversos de sua vida. A criadora de Barbie, atarefada mulher de negócios, teria tido uma relação bem difícil com a filha, Barbara. Kenneth, o filho mais novo, teria morrido vítima de aids, contraída numa relação homossexual. “Ruth nunca admitiu publicamente a verdadeira causa da morte do filho”, diz Robin. Por esse tipo de revelação, o livro não foi bem recebido pela Mattel, fabricante da Barbie (terceira companhia de cuja criação Ruth participou). A escritora se baseou em anotações e documentos cedidos pela família Handler e em entrevistas com pessoas próximas – incluindo Barbara, hoje com 68 anos, e Elliot, viúvo de Ruth, agora com 91.

Quando apresentou o conceito da Barbie, Ruth enfrentou descrédito. Muitos, como Elliot, não acreditavam que mães fossem comprar “bonecas com seios” para as filhas. Estavam enganados. Quando Barbie completou 50 anos, em 2009, havia se tornado um símbolo, com 1 bilhão de unidades vendidas em mais de 140 países e com direito a um desfile em sua homenagem na Semana de Moda de Nova York.

Além do aspecto adulto, Ruth inovou ao dar à boneca uma vida completa, com casa, carro, namorado, um guarda-roupa invejável e carreira. Ou melhor, carreiras: mais de 100. Ela interpretou centenas de personagens – a última é Bella Swan, a protagonista da série de histórias iniciadas com o livro Crepúsculo. Uma das inspirações para o mundo Barbie veio da Europa: era Lilli, uma personagem alemã de quadrinhos, esperta e sexualmente liberada, que virou boneca. Ruth comprou várias e as levou para os designers da Mattel. A empresa havia sido criada por ela, por Elliot e pelo sócio Harold Matson, o Matt, em 1945, para fabricar móveis para bonecas. Antes, o casal já havia criado duas empresas para negociar molduras, bijuterias e objetos decorativos.

Ruth se dedicava às próteses mamárias, em 1978, quando sofreu uma condenação por “maquiar” o balanço da Mattel. A fraude ocorrera anos antes, quando ela ainda estava envolvida com a companhia e Art Spear era o principal executivo. Em sua autobiografia, Dream doll (Boneca dos sonhos) , de 1994, Ruth se eximiu de responsabilidade. “Ruth não conseguia admitir a culpa”, afirma Robin. “Acredito que ela tenha sido encorajada por aquele homem (Art Spear) a cometer a fraude, mas poderia ter dito não.” A pena incluiu multa e serviço comunitário por cinco anos. No livro, Robin conta que Ruth se entusiasmou com o trabalho comunitário: virou presidente da Foundation for People (Fundação para o Povo) e passou a atuar na reinserção de ex-detentos no mercado de trabalho – atividade tão nobre quanto distante do mundo róseo que criou.

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