domingo, 20 de setembro de 2009

JUSTIÇA " PROTEGE" COCA - COLA - IMPRESSIONANTE!!!


Dados do acórdão
Classe: Apelação Cível
Processo: 2007.046451-1
Relator: Monteiro Rocha
Data: 28/07/2009

Apelação Cível n. 2007.046451-1, de Lebon Régis

Relator: Des. Monteiro Rocha

DIREITO CIVIL – OBRIGAÇÕES – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – CORPO ESTRANHO EM REFRIGERANTE – IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU – INCONFORMISMO DO AUTOR – BEBIDA ESTRAGADA – AUSÊNCIA DE USO – INCÔMODO AFASTADO – DANO MORAL AUSENTE – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO.

Bebida embora estragada, mas não ingerida, não pode acarretar incômodo reparável porque a tolerância é indispensável em sociedade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.046451-1, da comarca de Lebon Régis (Vara Única), em que é apelante Amilton Dias de Lima, sendo apelado Vonpar Refrescos S/A:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso do autor. Custas legais.

RELATÓRIO

Amilton Dias de Lima, qualificado nos autos, propôs Ação de Indenização contra Vonpar Refrescos S/A, objetivando, em síntese, a condenação da ré ao pagamento de danos morais em virtude de ilícito por ela praticado.

Aduziu que em meados de 2006, adquiriu no comércio de Caçador garrafas de refrigerante PET 2 litros, da marca Coca-Cola, produzida, engarrafada e distribuída pela empresa demandada.

Alegou que num almoço familiar, ao pegar uma dessas garrafas para consumo, percebeu a presença de corpos estranhos em seu interior, razão pela qual não procedeu sua abertura.

Argumentou que, por meio da medida cautelar de produção antecipada de provas, comprovou-se que a amostra continha corpos estranhos, identificados como pêlos, dentes de animal de pequeno porte, assemelhando-se aos de um camundongo.

Prosseguiu asseverando que o ilícito lhe causou danos, pugnando pela condenação da ré ao pagamento de danos morais.

Citada, a ré ofertou contestação, aduzindo que não pode ser responsabilizada pelo ocorrido, porque seus processos de fabricação e controle impossibilitam a entrada de corpos estranhos, sendo caso de ´corpo estranho plantado`, ou seja, violação do produto após a saída da fábrica. Ademais, impugnou os danos morais alegados, porquanto não houve o consumo do produto pelo autor.

Instruído o feito, o magistrado a quo julgou improcedente a prefacial, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios em 10% sobre o valor dado à causa.

Irresignado com a prestação jurisdicional entregue, o autor interpôs recurso, pugnando pela reforma in totum da sentença de 1º grau, para julgar procedente o pedido inaugural, condenando a ré ao pagamento de indenização por dano moral.

Contra-arrazoados, os autos ascenderam a esta superior Instância.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso porque preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Pugna o recorrente pela reforma in totum da sentença de 1º grau para julgar procedente o pedido de indenização por danos morais.

Assevera que sofreu prejuízo moral com a aquisição de produto estragado, cuja fabrico e engarrafamento eram de responsabilidade da empresa ré.

Aduziu que o magistrado a quo operou com desacerto, porquanto evidenciado o prejuízo pelo qual passou.

Sustentou que em decorrência do ilícito da ré, experimentou sofrimento psicológico, teve sua saúde exposta a risco, bem como tornou-se inseguro com sua saúde.

Despiciendas as alegações do apelante. À toda evidência, não há dano moral a ser tutelado na espécie, como bem decidido na sentença vergastada.

Da doutrina colho entendimento que reputo aplicável ao caso sub-judice:

“Infelizmente o ser humano tende a abusar daquilo que é bom, máxime quando tem sabor de novidade. Podem ser encontradas atualmente no Judiciário verdadeiras ‘aventuras jurídicas’ e ‘vítimas profissionais’ de danos morais, que procuram valer-se da evolução do instituto para fins escusos e inconfessáveis, na busca do lucro desmedido. Por esta razão, o maior desafio da doutrina e da jurisprudência hoje não mais é a aceitação por dano moral, já garantida constitucionalmente, mas, paradoxalmente, estabelecer seus limites e verificar em que situação não é cabível. O uso despropositado do instituto poderá conduzi-lo ao descrédito e provocar lamentável retrocesso, em prejuízo daqueles que dele realmente merecem seus benefícios”(MOTTA, Carlos Dias. Dano Moral por abalo indevido de crédito. Revista dos tribunais, São Paulo: RT, n° 760, p. 92, fev. 1999).

Com efeito, não tendo havido a ingestão do refrigerante e sendo constatada a falha na fabricação antes que a bebida fosse servida e ingerida, a única pretensão possível ao requerente seria a substituição do produto estragado por outro, mas isto ele não quis.

A jurisprudência pátria tem entendido que o simples aborrecimento, tal como o descrito na inicial, não enseja indenização por dano moral. Para corroborar esta assertiva, transcreve-se os seguintes julgados:

“O mero receio ou dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige” (STJ – REsp 337771/RJ, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 16/04/2002).

Dano moral. Necessariamente ele não existe pela simples razão de haver um dissabor. A prevalecer essa tese, qualquer fissura em contrato daria ensejo ao dano moral conjugado com o material. O direito veio para viabilizar a vida e não para truncá-la, gerando-se um clima de suspense e de demandas. Ausência de dano moral, no caso concreto. Recurso desprovido” (TJRS – Apelação cível n. 596185181, de Caxias do Sul, Rel. Des. Décio Antônio Erpen, j. 05/11/96)

Por ocasião do julgamento da Apelação cível n. 2004.014953-0, de Lages, o eminente Des. Luiz Carlos Freyesleben consignou em seu acórdão entendimento doutrinário de Antônio Jeová dos Santos, também aplicável ao caso:

“O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimento ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento”.

Ainda da obra de Antônio Jeová dos Santos colhe-se os seguin-

tes entendimentos:

“O que se quer afirmar é que existe um mínimo de incômodos, inconvenientes ou desgostos que, pelo dever de convivência social, sobretudo nas grandes cidades, em que os problemas fazem com que todos estejam mal-humorados, há um dever geral de suportá-los.

“…As sensações desagradáveis, por si sós, que não trazem em seu bojo lesividade a algum direito personalíssimo, não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista o autêntico dano moral” (SANTOS, Antônio Jeová da Silva. Dano moral indenizável. 3ª ed. São Paulo: Método, 2001. p. 122).

Em sua obra sobre Responsabilidade Civil, Carlos Roberto Gonçalves (São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 549/550) possui o entendimento de que “só se deve reputar dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto além de fazerem parte da normalidade de nosso dia-a-dia no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”.

A respeito da pretensão do autor, que ao constatar a presença de corpo estranho em refrigerante não procurou a substituição do produto ou a devolução do valor pago, trago aos autos ensinamento doutrinário do jurista Calmon de Passos, inserto em artigo intitulado “O Imoral nas Indenizações por Dano Moral”, entendendo que o prejuízo extrapatrimonial deve ser indenizado através de fundamentos éticos e morais:

“Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente.O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer, o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente enxovalhado” (Revista Jus Navegandi, 2002, in www.jus.com.br).

Alio aos dizeres do jurista Calmon de Passos, julgamento lavrado pelo Des. Dionísio Jenczak, que entende ser obrigação do Judiciário “combater a indústria do dano moral, que vem crescendo dia-a-dia em nosso país, sempre fundamentada em aborrecimentos triviais existentes no cotidiano dos cidadãos, cabendo ao julgador identificar os verdadeiros danos merecedores de indenização, sob pena de desvirtuar a finalidade almejada pelo legislador pátrio quando da criação do aludido instituto” (TJSC – Apelação cível n. 01.020104-6, de Itapema, j. 24/11/2003).

Ora, não é possível que um verdadeiro ‘achado’ – uma garrafa com supostos restos de animal morto – numa atividade fabril de grande risco pudesse ensejar indenização . Se houvesse a ingestão da bebida a situação seria outra, mas a bebida sequer foi servida, segundo a própria versão do autor.

O autor apenas identificou a garrafa estragada. Qual o constrangimento, qual o sofrimento? Não existe. O que deveria ele buscar, exclusivamente, era a devolução do produto estragado com o ressarcimento do valor gasto ou a troca por outro produto bom, mas não foi isso que fez. Ao contrário, o autor quis, em razão do ‘achado’, ganhar indenização não inferior a duzentos salários mínimos.

Se prosseguirmos nesse caminho, todos farão buscas minuciosas em supermercados com vistas a obter uma ‘garrafa premiada’ e, ao contrário do que dirão os processos, a parte não sofrerá com o ‘achado’; ao contrário, ficará alegre por ter encontrado um produto defeituoso que lhe renderá uma pequena fortuna.

Pelas razões acima expostas, nego provimento ao recurso do autor, mantendo-se incólume a sentença de 1º grau.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, esta Quarta Câmara de Direito Civil, à unanimidade de votos, resolve negar provimento ao recurso do autor.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Eládio Torret Rocha e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Victor Ferreira eRonaldo Moritz Martins da Silva.

Florianópolis, 9 de julho de 2009

Monteiro Rocha

RELATOR

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