sábado, 22 de maio de 2010

VUVUZELA = CORNETÃO = BRIGA DE DIREITOS DA MARCA



Empresário africano quer impedir o Brasil de chamar corneta de vuvuzela

Empresa sediada no país da Copa diz que detém os direitos da marca.
Na Rua 25 de Março, em SP, brinquedo já é vendido como vuvuzela.

Kleber Tomaz Do G1 SP


A menos de um mês do início da Copa do Mundo, uma empresa da África do Sul, que se autointitula produtora oficial da vuvuzela, corneta com 1 metro de comprimento usada em estádios de futebol, quer mobilizar o consulado do seu país em São Paulo e autoridades brasileiras para tentar impedir uma rede de lojas a vender o brinquedo.

A vuvuzela, um dos símbolos do futebol sul-africano, ganhou visibilidade no Brasil e no mundo após a transmissão pela TV da Copa das Confederações disputada no país africano em junho de 2009. Naquela ocasião, a seleção do técnico Dunga foi campeã em meio ao barulho das cornetas. Em novembro daquele mesmo ano, a brasileira Ri Happy Brinquedos Ltda entrou com um pedido no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) para registrar a palavra vuvuzela como marca de uma corneta de 60 centímetros que será lançada aqui durante o Mundial.

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“Eu quero a garantia de usar o nome vuvuzela no Brasil e outro não me impedir de usar. Tivemos uma experiência desagradável no passado. Acho que usamos o nome de uma marca: minigames. Era um brinde e foi preciso retirar. As vuvuzelas serão agora brindes”, explicou ao G1 o pediatra Ricardo Sayon, que largou a medicina para se tornar sócio fundador da Ri Happy, em 1988, com o administrador Roberto Saba.

A solicitação da Ri Happy foi feita por outra empresa do grupo, a Brincar Marcas e Participações Ltda, e será analisada por especialistas do Inpi, que é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior responsável por registrar marcas e conceder patentes. O resultado deverá sair só em 2011, após o Mundial. Se o registro da marca for concedido, a loja de Sayon será a única a poder associar a palavra vuvuleza aos seus produtos no Brasil, podendo até mesmo cobrar dinheiro de quem usou ou quiser usar o nome.
Torcedor sul-africano toca a vuvuzela no estádio de NespruitTorcedor sul-africano toca a vuvuzela no estádio de Nespruit (Foto: Reuters)




A ideia da Ri Happy, no entanto, não agradou a africana Masincedane Sport, que tem o registro da marca vuvuzela no seu país e comercializa e exporta o produto desde 2001. Por telefone, o sul-africano Neil van Schalkwyk, um dos donos da empresa, afirmou ao G1 que vai procurar as autoridades do seu país em São Paulo para pedir uma intervenção.

“Fiquei surpreso porque esse é um produto que não vem do Brasil”, afirmou Van Schalkwyk. O nome vuvuzela tem origem do zulu. “Vou procurar o consulado sul-africano em São Paulo.”

Procurado pela reportagem para comentar o assunto, o cônsul geral da África do Sul em São Paulo, Frank Steyn, confirmou que a primeira empresa a fabricar a vuvuzela em grande escala na África do Sul foi mesmo a de Van Schalkwyk, na década de 90.

“No entanto, várias outras companhias fabricam o instrumento por lá, e algumas inclusive importam da China. De fato há um debate sobre o copyright [direitos autorais], mas não sei se há registro disso nem a quem pertence. Ainda há times sul-africanos que produzem vuvuzelas licenciadas”, disse o cônsul Frank Steyn.

Procurado para comentar o assunto, o delegado Antonio Lambert, da Delegacia Antipirataria do Departamento de Investigações Sobre Crime Organizado (Deic) em São Paulo, afirmou que só poderá realizar uma ação contra a venda de cornetas com o nome vuvuzela se o dono da marca der queixa. Como ninguém ainda detém a marca no Brasil, precisaria a empresa sul-africana procurar autoridades policiais brasileiras para fazer a reclamação.

“Neste caso, seria crime de violação de direito de marca, segundo a lei de propriedade industrial”, disse o delegado.

Vuvuzela por R$ 1,80
Enquanto isso não acontece, comerciantes já aproveitam a proximidade da Copa para dar “aquele jeitinho brasileiro” e chamar as cornetas feitas aqui de vuvuzelas. Tudo em nome do marketing para aquecer as vendas. O negócio vai da gritaria da Rua 25 de Março, tradicional ponto de comércio popular no Centro de São Paulo, até a internet.

Daniela Aparecida, vendedora de 28 anos da loja Big Bi, na 25 de Março, afirmou que a vuvuzela é o objeto mais vendido entre os produtos que irão compor o kit do torcedor brasileiro para o Mundial. Cada vuvuzela sai por R$ 1,80.

“De dezembro até agora, foram umas 10 mil unidades vendidas pela internet e na loja de rua. As pessoas chegam aqui e pedem cornetão, outros chamam de vuvuzela. É a mesma coisa. Passamos a chamar de vuvuzela por causa da Copa do Mundo. Na Copa anterior, o nome era cornetão”, disse a vendedora.
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Questionado se poderia usar o nome vuvuzela para vernder a corneta, o gerente da Big Bi respondeu: “Não sei se alguém é dono da marca. Não tinha nenhuma marca registrada. É a mesma coisa vuvuzela e o cornetão aqui no Brasil”, disse Marcelo Rosa.

Celso Assanome, proprietário da Japanar, empresa que produz materiais de plásticos em Mauá, na Grande São Paulo, também está associando o nome vuvuzela à produção de cornetas. “As vendas superam o esperado. A saída da vuvuzela está em torno de 100 a 200 mil peças por mês. Vendo para lojistas, fabricantes de brindes. A vuvuzela é cornetão compridão”, disse Assanome, que pretende exportar o produto para o continente africano.

Ao ser informado que uma empresa entrou com um pedido para registrar a marca vuvuzela, o empresário se mostrou surpreso. “Se eu soubesse que alguém entrou com pedido eu teria feito o pedido antes. Eu acho que não teria sentido registrar marca vuvuzela porque nem todos conhecem como vuvuzela e é de outro país. Deveria ser um nome popular como corneta. Quem vendeu corneta com nome vuvuzela já vendeu. Ele não poderá cobrar de quem já vendeu”, disse Assanome.

Registro vale para cada país
Segundo a assessoria de imprensa do Inpi, tratados internacionais de direito industrial determinam que o registro de marcas vale unicamente para cada país. Nesse caso, uma maneira de a empresa sul-africana impedir a brasileira de ganhar o direito de explorar a palavra vuvuzela é a Masincedane formalizar sua oposição ao pedido da Ri Happy no próprio instituto. O prazo legal para a reclamação venceu em março deste ano, mas ainda cabe recurso.

A J.Barone e Papa Advogados Associados foi a responsável por entrar com o pedido da Ri Happy no instituto no ano passado. O advogado José Felisberto Barone falou ao G1 que o registro a respeito da vuvuzela demora três anos para sair. “Pode sair depois da Copa, mas tem direito de ação retroativa contra quem usou a marca antes da Copa. Pode agir judicialmente nesse caso”, disse Barone.

Apesar de ter a possibilidade de cobrar de quem usou a marca, Sayon afirma não pensar em dinheiro. “É claro que não vou transformar a vuvuzela num produto permanente. Não tenho interesse em explorar ninguém. Nesse momento meu interesse é muito mais de resguardar direitos do que criar reserva de mercado. Tenho algumas marcas que são minhas, como o solzinho. É meu, meu personagem. O nome Ri Happy. Aí é meu. O que não é o caso da vuvuzela. É uma preservação de direitos de usar o nome. Só para evitar alguém de reclamar. Não vou tentar pedir dinheiro. Tenho a marca Ri Happy registrada no Uruguai e Argentina e para minha surpresa no Paraguai já tinham a minha marca. Pediram US$ 200 mil para a cederem para mim. Não paguei nada. Na China registrei minha marca. Pretendo fazer negócios por lá também”, disse o empresário que tem diversas lojas e franquias espalhadas pelo Brasil.

Apesar da chateação, Van Schalkwyk afirma que gostaria de conversar com o dono da Ri Happy para, quem sabe, autorizar a empresa brasileira a chamar as cornetas de vuvuzela. “Não quero brigar, mas pode ter uma cooperação. Eles podem ser representantes da vuvuzela aí no Brasil”, sugeriu o empresário, que diz fabricar cerca de cem mil cornetas por mês.

“Terei o maior prazer de fazer parceria com a empresa sul-africana que fabrica a vuvuzela por lá”, respondeu Sayon. Resta esperar se esse acordo irá mesmo ocorrer. Até lá, os comerciantes da 25 de Março, indiferentes a essa disputa, continuarão a gritar: “Olha a vuvuzela!”

(Colaboraram Carolina Iskandarian e Paulo Toledo Piza)

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