sábado, 29 de maio de 2010

ABACAXI = FORTUNA, GLAMOUR E TRAGÉDIA


Fortuna, glamour e tragédia
Alessandra Medina
VEJA RIO
A trajetória do empresário encontrado morto em um apartamento do Leblon é uma história com intrigas e maquinações, tendo como coadjuvantes figuras da alta sociedade carioca


Elias Nascimento e sua companheira, Carla de Araújo: passeios em Angra dos Reis

Com pouco mais de 100 metros de extensão, a Rua Professor Azevedo Marques, uma travessa da Dias Ferreira, no Leblon, é tão pequena e discreta que não consta nem mesmo no site do Google Maps. É lá que fica um apart-hotel que ganhou notoriedade nas duas últimas semanas. Na sexta-feira 14, a empregada que trabalha no apartamento número 505 estranhou o fato de seus patrões não atenderem à porta quando tocou a campainha. Entrou com a chave reserva e encontrou o casal estendido na cama, desacordado. Assustada, chamou o médico da família. Foi ele quem constatou que o homem estava morto e a mulher ao seu lado tinha sinais vitais muito fracos. De resto, tudo no apartamento aparentava absoluta normalidade. Como de hábito, a geladeira estava abastecida com frutas e verduras, já que ambos prezavam o estilo de vida saudável. O único detalhe fora de lugar era um pedaço de abacaxi semidescascado, um copo com líquido branco que lembrava leite e uma faca na mesa de cabeceira do morto. O corpo estendido na cama era o do empresário Elias Nascimento, 60 anos, dono de fazendas, de concessionárias de automóveis e de uma fortuna estimada em cerca de 200 milhões de reais. A mulher ao seu lado, Carla Milena Ezequiel de Araújo, 40 anos, sua companheira, continuava, na quinta-feira passada, internada em um hospital na Tijuca.
Desde a descoberta do episódio, três hipóteses básicas têm sido investigadas pela polícia — suicídio, homicídio e morte acidental. Até agora, porém, pouco se sabe sobre o que realmente aconteceu naquela noite. “A única coisa que podemos dizer é que a morte natural está praticamente descartada”, afirma Alessandro Thiers, delegado da 14ª DP (Leblon).
Morte misteriosa, vida cinematográfica. Pouco conhecida, a trajetória de Nascimento seria suficiente para garantir um roteiro de filme recheado de elementos como ambição, oportunismo e intrigas de todo tipo. Tudo isso tendo como coadjuvantes personagens da mais fina sociedade carioca e figuras proeminentes do mundo das finanças. De origem humilde, o empresário nasceu em Santa Catarina. Sua ascensão profissional começou no Bradesco, nos anos 70. No colosso financeiro paulista, ele trilhou uma carreira bem-sucedida, ganhando status de funcionário exemplar. Ambicioso e obcecado pelo trabalho, chamou a atenção de figuras poderosas da casa, entre elas o banqueiro Lázaro Brandão, lenda viva do mundo dos negócios. Rapidamente, Nascimento tornou-se um dos escudeiros de Brandão e, como tal, desembarcou no Rio de Janeiro com uma missão: coordenar a operação do banco na cidade. Ganhou prêmios, expandiu a rede de agências e foi alçado ao posto de diretor regional. Foi nessa posição que teve seu primeiro contato com a fama, em 1989. Em outubro daquele ano, denunciou uma tentativa de envolver o banco em um esquema de corrupção montado na BR Distribuidora, empresa ligada à Petrobras. Sua foto, tirada depois de um depoimento na Secretaria de Estado da Fazenda do Rio, ganhou os jornais e revistas do país — e ele acabou se tornando arredio a qualquer tipo de exposição. “Meu pai era extremamente discreto. Recentemente, chegou a ser procurado por pessoas que queriam escrever livros a seu respeito, mas sempre recusou”, recorda Jaqueline Nascimento, 37 anos, filha do empresário.
Era natural que fosse assim, principalmente tratando-se de um executivo treinado em uma organização fortemente marcada pela austeridade e circunspecção. No entanto, a vida de Nascimento deu uma guinada. Em 1993, ele recebeu um convite do banqueiro Lineu de Paula Machado, então presidente do Banco Boavista, para ser diretor executivo da instituição. Impressionado por sua capacidade gerencial, Machado acreditava ter encontrado o profissional capaz de ajudá-lo a expandir o banco criado por seu avô, de mesmo nome, em 1924. “Ele teve uma carreira brilhante no banco privado mais importante do país naquela época”, diz o ex-banqueiro e hoje criador de cavalos de raça. O choque não poderia ter sido maior. Nascimento mergulhou em um mundo glamouroso, completamente diverso das agências e escritórios do Bradesco. Encastelado em um espetacular edifício de treze andares projetado por Oscar Niemeyer na década de 40, o Boavista era o banco da elite carioca, fundado pela junção de duas famílias poderosas, os Guinle e os Paula Machado. Um dos últimos remanescentes da era de ouro da antiga capital federal, mantinha rituais como os concorridos coquetéis nos fins de tarde servidos em seu restaurante. Negócios, negócios; amigos à parte. Era um banco que podia se dar ao luxo de mandar o nome de clientes como Carmen Mayrink Veiga para o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) por estourar o limite do cheque especial. O papel de Nascimento foi fazer o Boavista, já em uma curva de decadência, voltar a crescer.
E foi o que ele fez. Em dois anos, suas agências passaram de trinta para setenta. Novos clientes foram atraídos por farta concessão de empréstimos com a exigência mínima de garantias. Ao mesmo tempo, a folha de pagamento inchou com a contratação de quase uma centena de executivos trazidos por Nascimento do Bradesco. O banco chegou a se tornar o mais rentável do Brasil. Mas havia algo de errado nessa equação. Em 1996, o Boavista já tinha mais da metade do seu patrimônio comprometido em empréstimos podres. Um ano depois, o executivo era demitido, deixando para trás um rastro de suspeitas. Em um negócio típico de famílias aristocratas, o Boavista acabou vendido no mesmo ano ao Grupo Monteiro Aranha, comandado por Olavo Monteiro de Carvalho, membro de outro clã estelar da sociedade carioca. O estado das contas, porém, era ainda pior que o imaginado, com um rombo de 1,5 bilhão de reais. Cerca de 90% do patrimônio estava vinculado a créditos que jamais seriam resgatados. A situação do Boavista tomou ares de escândalo, e Nascimento, suspeito de fraude, partiu para o contra-ataque: ameaçou entrar com um processo trabalhista no valor de 12 milhões de reais. Ambas as partes chegaram a um acordo, mas o banco afundou de vez e deixou de existir em 2000, comprado justamente pelo Bradesco.
Adepto de um estilo de vida espartano, Nascimento transformou-se em um homem rico depois de sua demissão. Saiu comprando fazendas pelo interior do estado e, anos mais tarde, tornou-se dono das redes de concessionárias Honda Rio Tókio e Narita, as maiores da montadora japonesa no Rio. Pouco antes de sua morte, seus negócios iam muito bem. Ele já acumulava vinte propriedades rurais de grande porte e negociava mais uma, com valor estimado em 9,5 milhões de reais. Também havia adquirido a revenda de carros Bretagne, da marca francesa Peugeot, por 12 milhões de reais. Apesar do patrimônio, mantinha-se discreto em seus hábitos. Viajava pouco para o exterior e seus deslocamentos com a companheira Carla costumavam se restringir a passeios a Angra dos Reis e aos seus imóveis. A amigos, ela revelou o interesse em realizar um antigo sonho: engravidar. Chegou a dizer que Nascimento, a princípio reticente, já aceitava melhor a ideia. Ambos se conheceram no Bradesco, quando ela era estagiária e ele, estrela em ascensão. Mantinham um relacionamento estável fazia mais de duas décadas, mas passaram a morar juntos há apenas dois anos, quando o executivo finalmente se separou da mulher e se mudou para o flat do Leblon, o lugar onde morreu com a metade de um abacaxi abandonada na mesinha de cabeceira. Com tantas hipóteses em aberto, tantos detalhes ainda obscuros, só a polícia mesmo pode dizer como esse filme vai terminar.

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