terça-feira, 12 de maio de 2009

CARROCINHA NÃO, MAS CARROCEIROS SIM!


Por Por Ayrton Mugnaini Jr./ Especial para o Yahoo! Brasil

Repare: todos nós conhecemos alguém cuja companhia nos agrada a ponto de querermos prolongá-la tanto quanto possível. Pode ser filho recém-nascido ou de qualquer idade, avó ou tia do interior, namorado novo, amante nova, etc. E, sem dúvida, um gato ou cão daqueles para quem "estimação" é pouco. Só num espaço ilimitado como a Internet dá para se começar a descrever todo o prazer e alegria de se ter um cão como companhia a todo instante, ou pelo menos em todos os instantes possíveis, e não apenas no recesso do lar.


Quantos profissionais têm o privilégio de poder contar com seus cães em pleno ambiente de trabalho, inclusive até ajudando na inspiração ou na labuta? Os músicos estão entre eles, a julgar por uma frase do nunca demais lembrado Bob Dylan: "As melhores canções são compostas na varanda, quando o sol bate e um cachorro dorme." Dos artistas plásticos quase nem seria necessário falar, como o pintor inglês Francis Barraud, que um belo dia, quando resolveu retratar um cãozinho que procurava saber de onde vinha a música que tocava em uma gravação, acabou criando um dos mais famosos logotipos do mundo, o da "Voz do Dono". E nem precisamos viajar tão longe na geografia, no tempo ou para ateliês e varandas; aqui mesmo no Brasil, ao nosso lado, em plena rua, temos aqueles heróis pioneiros da ecologia, da reciclagem e da economia informal que são os carroceiros, muitos dos quais fazendo questão de repartir o que têm, seja muito ou nem tanto, com seus cães.


Mestres em recolher papel, latas e qualquer material aparentemente inútil e ocupador de espaço, os carroceiros (que, segundo a revista Trip, só na cidade de São Paulo são cerca de 200 mil) trazem às ruas um tom ao mesmo tempo antigo e moderno, como uma versão ocidental dos condutores de riquixás, de aparência talvez menos sofisticada, porém sem dúvida igualmente pitoresca e humana em meio a tantos veículos de motores e aparelhos sonoros barulhentos e mais faladores de celular mais barulhentos ainda. (Sim, estamos falando dos carroceiros modernos que puxam eles mesmos suas carroças, aliás, esperamos brevemente a extinção da prática de tração animal.) E esta humanidade dos carroceiros revela-se ainda mais humana quando inclui a companhia de seus fiéis amigos caninos.


Um dentre tantos carroceiros da Paulicéia, no não tão desvairado bairro da Mooca, é Jânio Laurindo Libório, de 37 anos. Libório é carroceiro profissional - inclusive com registro na Prefeitura - há oito anos. Ao sair para recolher material nos quarteirões entre as míticas ruas da Mooca e Paes de Barros, ele não dispensa a presença de Puppy e Magrão - ou, melhor, são eles que não o dispensam. "Sair com eles é divertido, e eles tomam conta da minha carroça." Mas sem truculência, com fineza digna de policiais ingleses: "Eles são dóceis, não mexem com ninguém." Podemos acrescentar que são bons atletas: "Eles não gostam de subir na carroça." Puppy e Magrão ajudam Libório há quase três anos, e um dos seus antecessores foi o saudoso Totó, cuja perdição, lembra Libório foi uma paixão ainda maior que carroças: as motocicletas. "Ele gostava tanto de correr atrás de motos que um dia sumiu..."


Totó é minoria entre os cachorros de carroceiros, e talvez possa ser comparado a certos homens que não podem ver rabos-de-saia ou às marias-gasolina da vida. E Puppy e Magrão aparentemente estão sendo criados por Libório com mais experiência, a julgar pela recente declaração do cantor e apresentador de televisão Ronnie Von à Contigo: "O cachorro tem um amor incondicional, ele gosta de você e ponto final. A gente vê cães acompanhando carroceiros. Pois se você aparecer num Rolls-Royce, ele vai preferir ficar com o carroceiro."


E, já que antes de falar sobre carroceiros falamos sobre a relação dos cães com músicos e pintores, lembremos também que há poucos anos, em 2007, os carroceiros foram inspiração para uma exposição de arte justamente intitulada Carroceiros, promovida pela ARPA (Apreciação, Reflexão e Produção Artística), ONG paulistana dedicada ao ensino gratuito das artes, terapias artísticas e defesa e preservação do meio ambiente. Uma das obras desta exposição, do artista plástico paulistano Max Bueno, é resumida pelo jornalista e professor de Artes Visuais Oscar d'Ambrosio, curador da mostra, como oferecendo uma "delicada solução imagética ao retratar os cães que geralmente acompanham os carroceiros". (Vale a pena visitar a página da ARPA, pode ir até lá que eu espero: clique aqui para ver o site.)


O assunto é tão longo quanto interessante. Para terminar, lembremos que carroceiros não são privilégio de paulistanos. Por exemplo, em Belo Horizonte, desde 2000, todo primeiro domingo de setembro está oficializado como o Dia do Carroceiro. Sem dúvida, um detalhe "bão demais da conta, uai"! E um Dia do Cão de Carroceiro também não me parece má idéia.

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