sábado, 23 de maio de 2009

ELES ESTÃO NO PARAISO - ISTO É DINHEIRO - PÁG. 03

As maiores multinacionais do mundo veem no Brasil uma oportunidade de driblar a crise e obter aqui os lucros que que não conseguem lá fora

Por Amauri Segalla e Hugo Cilo

"O Brasil é o grande destaque do grupo. Nosso faturamento cresceu 22% nos primeiros quatro meses"

ANTONIO CÁSSIO DOS SANTOS
Presidente da subsidiária brasileira da espanhola Mapfre Seguros
A empresa lançou uma linha de produtos populares, por acreditar que esses consumidores seriam menos atingidos pela turbulência global. O resultado veio rápido.

É notável e surpreendentemente veloz a transformação do papel que as multinacionais desempenham no Brasil. Nos anos 80, pode-se dizer que elas davam as costas para o País. Naquela década, apenas metade das 500 maiores empresas do mundo tinham algum tipo de atuação por aqui. Atualmente, 430 das 500 principais empresas globais possuem um braço brasileiro. O interessante é que as operações nacionais não são coadjuvantes - longe disso. A subsidiária brasileira da suíça Nestlé é a segunda em volume de produção e a quarta em faturamento. Até 2012, a Nestlé planeja dobrar de tamanho por aqui. "Pela minha experiência, posso dizer que o Brasil é o País que possui maior expertise no gerenciamento de incertezas", diz o presidente Ivan Zurita. "O Brasil se tornou um dos poucos lugares do mundo onde as empresas, independentemente de seu segmento, podem definir o tamanho que desejam ter e quanto pretendem crescer."

Mundialmente, a região com melhores resultados apresentados no primeiro trimestre do ano foi a Zona das Américas, que inclui tanto os países do Norte quantos os do Sul do continente. Nessa área, que inclui o Brasil e também os Estados Unidos, as vendas dos primeiros três meses do ano somaram US$ 6,4 bilhões, registrando alta real de 2% em relação ao mesmo período de 2008, quando o faturamento foi de US$ 6,07 bilhões. Na América Latina, segundo o relatório de resultados, houve crescimento de 5% nos negócios. Na Europa, houve retração de 1,3%.

"Crescemos 67% em 2008, apesar da crise. E vamos bater outra vez a meta definida pela matriz"

MARCELO MOTTA
Presidente da multinacional chinesa Huawei no Brasil
A Huawei está há uma década no Brasil e assumiu a liderança do mercado de tecnologia. No ano passado, o faturamento atingiu US$ 1 bilhão.

Note que as empresas que vêm apresentando resultados expressivos no Brasil são gigantes que lideram os setores em que atuam e que possuem marcas fortes e estabelecidas globalmente - o que, aliás, só reforça a relevância recém-conquistada pelo País. Há alguns dias, a Coca-Cola apresentou com orgulho a performance da operação brasileira nos três primeiros meses de 2009. A empresa comemorou vinte trimestres consecutivos de crescimento em volume de vendas no Brasil. Nos três primeiros meses de 2009, as receitas aumentaram 4% no País, o dobro da média mundial. A nova safra de consumidores brasileiros que viu sua renda dobrar em 20 anos passou a comprar mais refrigerantes da marca, em vez de adquirir produtos menos conhecidos.
Resultado: hoje, o Brasil consolidou-se como o terceiro maior mercado de consumo para a Coca-Cola no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do México. Considerando apenas a Coca- Cola Zero, o Brasil é número 1.

O fenômeno da nova classe C - uma legião de 20 milhões de potenciais consumidores surgidos nos últimos cinco anos - turbinou os resultados de inúmeras multinacionais que atuam no Brasil. A dinamarquesa Lego, uma das maiores e mais tradicionais fabricantes de brinquedos do mundo, diminuiu o preço de seus artigos justamente para chegar a esse público. A decisão revelou-se acertada. No Brasil, as vendas da companhia crescem a uma taxa média de 15% ao ano, o dobro da média mundial. Isso se deve, sobretudo, aos novos nichos explorados pela Lego - é o caso das pessoas que migraram recentemente da classe D para a C. "Desde que chegou ao Brasil, em 1986, a Lego vive agora seu melhor momento no País", diz Robério Esteves, responsável pela operação brasileira. Algo parecido se deu com a Mapfre, uma das maiores seguradoras do mundo. A partir de setembro, quando a crise explodiu, a empresa começou a lançar uma linha de produtos populares, por acreditar que esses consumidores seriam menos atingidos. O resultado veio rápido. "Nosso faturamento cresceu 22% nos primeiros quatro meses do ano", diz o presidente Antonio Cássio dos Santos. Isso, vale lembrar, em tempos de crise. Desde o ano passado, a operação brasileira da Mapfre é destaque.

Uma história relatada pelo presidente da chinesa Huawei no Brasil, Marcelo Motta, demonstra o que as matrizes esperam do Brasil. No final do ano passado, ele recebeu da matriz na China duas informações importantes. Primeiro, que a companhia - uma gigante global do setor de tecnologia - havia batido todas as metas de 2008. O faturamento mundial saltou de US$ 16 bilhões, em 2007, para US$ 23,3 bilhões no ano passado, uma disparada de 45%. A segunda parte do documento referia-se ao mercado brasileiro. Por determinação do comando chinês, a nova meta de crescimento para o Brasil era de 30% em 2009. Naquele momento, em um dos períodos mais críticos da crise financeira internacional, falar em desempenho positivo era algo que beirava o absurdo. Motta leu aquele texto e não ficou nem um pouco preocupado. Afinal, a Huawei havia faturado US$ 1 bilhão no País em 2008, resultado 67% maior do que em 2007. "Vamos mergulhar em três segmentos em que ainda não atuamos no País, entre eles o de aparelhos celulares", diz Motta. "Por isso, acredito que a meta da matriz será superada." Em outras palavras: o executivo aposta que a empresa vai crescer mais de 30% em um ano em que todos contabilizam perdas lá fora. O Brasil virou mesmo o paraíso das multinacionais.

Festa nas montadoras

Assim como em grande parte das multinacionais que atuam no País, há um evidente contraste entre o desempenho das montadoras no Brasil e no Exterior. Nas maiores economias do mundo, o setor automotivo foi o primeiro a ir à lona com o desaparecimento do crédito e o arrefecimento do consumo. Mas aqui a história é outra. Apesar da retração no final do ano, a restauração dos recursos para financiamento e o empurrão do governo federal com a redução do IPI colocam as fabricantes de veículos de volta aos trilhos. No Brasil, as vendas da japonesa Toyota, maior fabricante do planeta, subiram 12% no primeiro bimestre em relação ao mesmo período do ano passado. No mundo, as vendas caíram 46%. A também japonesa Nissan escolheu o Brasil para fazer em fevereiro seu único lançamento global, o modelo Livina. "Queremos dobrar nosso market share", diz Thomas Besson, presidente da montadora para o Mercosul. É possível observar otimismo semelhante em outras gigantes. Na Volkswagen mundial, o primeiro trimestre foi de queda de 74% no lucro líquido, para 243 milhões de euros (US$ 316 milhões). Enquanto isso, as vendas de suas operações de automóveis no Brasil cresceram 8,2% e ajudaram a equilibrar as finanças globais. Na Fiat, as vendas recuaram 16,1%. Aqui, cresceram. O exemplo da General Motors é mais dramático. Nos Estados Unidos, a empresa está à beira da concordata. Já a operação brasileira tem em caixa US$ 1 bilhão para investir nos próximos anos.

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