sábado, 27 de novembro de 2010

Datena ladra, mas não morde


DATENA

Opinião

Datena ladra, mas não morde




Ale Rocha
Por Ale Rocha . 26.11.10 - 15h17


“Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção”. O irônico aviso no começo de “Tropa de Elite 2″ veio rapidamente à minha cabeça enquanto assistia ontem (25) à cobertura do “Brasil Urgente” (Band) sobre a operação de invasão da polícia ao morro da favela da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.

Admito envergonhado que fui um dos telespectadores responsáveis pela vice-liderança de audiência do programa. No horário nacional (das 17h às 18h43), a atração policial chegou a pico de 9 pontos com média de 7, contra 6 da Record e 3 do SBT.

José Luiz Datena sabe, como poucos, aproveitar a desgraça alheia. A todo o momento faz questão de dizer que não é sensacionalista e garante ser um absurdo esta acusação. Porém, logo em seguida, não se envergonha ao se aproveitar de clichês do gênero. Grita contra autoridades, pede close em sua cara raivosa e se coloca como defensor da sociedade.

Datena afirma que apenas mostra os fatos, cumprindo sua responsabilidade jornalística. Aliás, nesta sua missão, não esquece por nenhum momento de colocar a culpa na classe política. Assim, sem ressalva alguma. O apresentador também é um ótimo profeta do passado. Após a catástrofe, logo lança suas frases de efeito. “Eu disse que há crime organizado no Rio, mas ninguém me ouviu.”

Se Datena justifica seus atos pela atividade jornalística, pergunto: que tal ouvir o outro lado? Trata-se de regra básica ensinada aos alunos do primeiro ano de faculdade. Enquanto tive estômago para assistir ao “Brasil Urgente”, nenhum representante significativo do Estado foi confrontado pela ira espumante do apresentador. Restam aos repórteres perguntar para policiais, bombeiros e outros funcionários públicos da linha de frente. Aliás, enquanto perguntam, são atormentados por Datena pelo ponto eletrônico, que esbraveja diretamente do conforto do estúdio.

Mesmo com sua auto-declarada enorme audiência, depois comprovada pelo Ibope, Datena não exigiu a presença do prefeito Eduardo Paes (PMDB) ou do governador Sérgio Cabral (PMDB).

Travestida de cobertura jornalística, a operação de invasão da polícia ao morro da favela da Vila Cruzeiro é um prato cheio para os fãs de filmes de ação, principalmente para os mais de 10 milhões que já foram aos cinemas assistir à “Tropa de Elite 2″. Não há dúvidas sobre o interesse jornalístico no fato, mas a forma como ele é abordado está mais para um espetáculo.

A transformação de ações policiais em um reality show coloca a ética jornalística em discussão. Até que ponto a televisão pode se aproveitar de um momento delicado em busca de audiência, anunciantes e retorno financeiro? Por mais que a TV não seja a única fonte de informação, ela ainda reina absoluta entre os brasileiros. Não se pode ir às favas com o respeito e transformar a morte em algo explícito e prolongado apenas para garantir audiência.

Além da ausência de entrevistas com o prefeito e com o governador, não houve no “Brasil Urgente” declarações de especialistas em segurança pública. O telespectador ficou sem saber os motivos da explosão de violência no Rio de Janeiro. O foco está no tiroteiro e na ação. A palavra guerra é utilizada a todo momento. As vielas da Vila Cruzeiro são definidas como rios de sangue.

Fico esperando o momento em que Datena chamará o Capitão Nascimento (Wagner Moura), como tantos fizeram no Orkut, no Twittter e em outras redes sociais. Porém, quem viu e entendeu o filme sabe que nesta história não há herói. O roteirista e diretor José Padilha deixa isso bem claro.

Se desejam evocar “Tropa de Elite 2″, lembrem-se do final do filme. Todos têm sua parcela de culpa. Até mesmo quando somos omissos e dizemos: “nada tenho a ver com isso”. Ou quando damos audiência para programas que se alimentam da desgraça alheia sem qualquer intuito de informar, apenas para explorar, aos berros e cortes rápidos de câmera, o esfacelamento da sociedade.

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