sexta-feira, 1 de outubro de 2010

TÍTULO DE ELEITOR NÃO VALE PARA VOTAR!



01/10/2010
às 6:55
Que STF é este? O ministro que defende uma coisa e depois o seu contrário, mas sempre com convicção, que é o importante…

A coisa ficou um pouco longa, mas acho que vocês têm de ler. Ilustra bem o nosso tempo.

Escrevi um longo texto sobre a sessão destrambelhada do STF que decidiu, a três dias da eleição, mudar uma lei aprovada no ano passado. Expus lá os motivos. Vocês se deram conta da gravidade da coisa. Até agora, o artigo recebeu 569 comentários. A questão, reitero, não está em eu achar que apresentar um ou dois documentos privilegia este ou aquele. O que me incomoda, aí sim, é a lógica da acochambração, do jeitinho, do “tempero”, como disse o ministro Ricardo Lewandowski. No STF, esse comportamento é inadmissível.

Ontem, o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista, ficou submetido a ataques especulativos. Teria falado com o tucano José Serra ao telefone. A sugestão é de que combinava com ele seu voto contrário — e não se tem disso o menor indício além do suposto telefonema, que ambos negam. Mas, ponderei aqui, ainda que tivesse ocorrido, e daí? Mendes já havia dito que daria seu voto hoje — e a causa já estava liquidada. Portanto, tivesse havido o telefonema ou não e tratasse ele ou não do pedido de vista, seria de uma irrelevância danada para o caso.

Ainda não li os jornais e não sei se algum repórter se interessou em perguntar aos ministros Ricardo Lewandowski, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral, e Cármen Lúcia por que ambos, no TSE, defenderam a necessidade dos dois documentos e, no STF, de um único documento com foto. Devo concluir que, “enquanto juízes eleitorais”, eles pensam uma coisa e, enquanto membros da corte suprema, o contrário? Notem: não sou xereta. Não me interessa se falaram com alguém ao telefone. Quero saber os fundamentos que embasaram uma escolha e os fundamentos que embasaram a outra. E se há vasos comunicantes entre eles.

Nas sessões de ontem e anteontem, um dos ministros do Supremo mais entusiasmados com a tese de que basta um documento com foto para votar era Lewandowski. Pois é. Abaixo, transcrevo trechos de fala sua que constam da Resolução nº 23.282, do TSE, gerada a partir de um processo administrativo que trata justamente da obrigatoriedade ou não da apresentação do título de eleitor. Sabem de quando é isso? De 16 de junho de 2010 - há meros três meses e meio. Vale a pena ler. Volto só no fim.

A seqüência têm início quando o ministro Marco Aurélio de Mello relativiza justamente a necessidade de apresentar o título e defende que basta a identificação. Vamos lá:
*
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Sim, mas a pergunta que se faz é quanto ao objetivo da norma. A meu ver, tomou estreme de dúvidas a necessária identificação daquele que se apresenta para votar. Em cada seção há a folha dos inscritos. Por isso, penso que a referência ao título de eleitor - e não caminharia no sentido de sobrecarregar a máquina administrativa eleitoral - se dá quando não apresentado o título, mas identificado o eleitor. E, havendo o registro desse eleitor na seção a que compareceu, a não apresentação do título não o impede de votar, desde, é claro, que se chegue à identificação.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Ministro Marco Aurélio, permito-me fazer uma ponderação. Temos feito várias reuniões com presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais - já fizemos três, duas formais e uma informal -, e essa dúvida surge de forma recorrente. Assim, orientamos os Tribunais Regionais Eleitorais a cumprirem a lei da forma mais estrita possível, porque agora há um comando legal, absolutamente taxativo, que torna obrigatória a exibição do título de eleitor e também de um documento com fotografia. Quanto a isso, não pode haver nenhuma dúvida, e toda parte substantiva da campanha institucional do Tribunal Superior Eleitoral é para esclarecer a população da necessidade de portar tais documentos no momento da votação.

O Congresso Nacional se manifestou quanto à matéria; é, portanto, vontade dos representantes da soberania popular. O escopo dessa nova disposição legal foi evitar enganos, fraudes e outros tipos de equívocos que possam, eventualmente, tisnar a eleição.

Reconheço haver casos excepcionalíssimos em que é possível não haver essa possibilidade. Temos dito aos presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais que as situações concretas que surgirem deverão ser resolvidas caso a caso, ou pelo mesário ou, no limite, pelo juiz eleitoral, que estará a postos para resolver essas questões.

Mas tenho um temor inicial que eu gostaria, com toda franqueza, de expor aos eminentes pares. Se abrirmos para tolerar que eventualmente um desses documentos não seja trazido pelo eleitor no dia da votação, o que acontecerá em nosso querido Brasil? As pessoas não irão com esses documentos porque dirão que o seu nome consta da lista, ou que esqueceram carteira de identidade, ou vão levar a carteira de motorista ou a carteira do clube de que são sócios.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Antes bastava a apresentação do título.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Exatamente. Minha preocupação neste momento, eminente Ministro Marco Aurélio, é de orientar a todos, ou emitir uma opinião, uma diretriz, de que temos de cumprir a lei com o maior rigor possível. E as questões omissas - sobrará um pequeno número, espero eu - serão resolvidas caso a caso, segundo

(…)

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): (…) Ocorre que no Estado de São Paulo, por exemplo, existe o que chamamos de “Poupa Tempo”. Creio que deve haver instituições semelhantes em todos os estados, com nomes diferentes, em que a pessoa, na mesma hora, tira uma carteira de identidade, ou mesmo a segunda via de um título de eleitor ou carteira de motorista. E, salvo engano - estou até pedindo informações à minha assessoria -, a expedição da segunda via do título de eleitor pode ser pedida até determinada data de setembro, quase até o final daquele mês.

O SENHOR MINISTRO ALDIR PASSARINHO JÚNIOR (relator): São dez dias antes.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Não há, portanto, nenhuma justificativa para que não se apresentem esses dois documentos. Ou seja, está na lei, estamos a orientar os Tribunais Regionais Eleitorais e os juízes eleitorais e faremos uma campanha de esclarecimento. Não podemos, desde logo, flexibilizar a lei.

(…)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Aquele que tiver o título surrupiado, por exemplo, praticamente à véspera da eleição, não poderá votar, mesmo com a carteira de identidade.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Não, ele faz um boletim de ocorrência, ministro. Hoje se faz esse boletim até pela internet.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: O boletim de ocorrência substitui o título de eleitor?

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Não quero afirmar isso com todas as letras, ministro, até porque eu não gostaria exatamente de ser o primeiro a flexibilizar essa regra enunciada pelo Congresso Nacional.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhor Presidente, minha visão, na dispensa da apresentação do título de eleitor, não é linear. Em situação concreta, em que diga o eleitor que perdeu o título, não o ter encontrado no dia da votação ou haver ocorrido a subtração ou destruição, digo que poderá votar - não afasto o implemento dessa prática inerente à cidadania -, apresentando a carteira de identidade com fotografia. O meu voto é nesse sentido.

(…)
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI (presidente): Aliás, recebi agora a confirmação, como já disse o nosso corregedor-geral, de que a segunda via do título pode ser requerida até dez dias antes das eleições, segundo o artigo 52, caput, do Código Eleitoral. Portanto, não há nenhuma dificuldade nem para obter o documento de identidade nem para obter o título. Casos excepcionais serão resolvidos dentro da razoabilidade.

Encerro
O que mais me encanta no conjunto da obra e perceber a convicção de Lewandoski — tanto para defender uma coisa como o seu contrário. Não! Não estou querendo satanizar ninguém. Acho que estou é preocupado com o Supremo. Só isso.
E isso não é pouca coisa.

Por Reinaldo Azevedo

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