terça-feira, 30 de março de 2010

TURISTA SUICIDA

O Turista Suicida: o professor americano cuja morte foi filmada na Suíça



QUEM VIVE com medo de morrer morre mil vezes antes de morrer.


O conhecido aforismo budista me ocorreu ao ver o documentário O Turista Suicida. A cultura ocidental finge que a morte não existe e isso dá a ela um poder aterrorizador que pode acompanhar você a vida inteira e impedi-lo de desfrutar adequadamente os bons momentos. Não falar da morte, como é comum no Ocidente, não significa lidar bem com ela. É o oposto, na verdade.

Por tudo isso é simplesmente extraordinária a contribuição do documentário O Turista Suicida, veiculado em março pela rede PBS. O autor é o documentarista canadense John Zaritsky, detentor de um Oscar. O protagonista é Craig Ewert, 59 anos, professor aposentado de Chicago vítima de ALS, uma doença degenerativa que o transformaria, no fim, num vegetal.

Mas ele opta por outro caminho. Vai para a Suíça, rumo à Dignitas, clínica que oferece a seus clientes a morte assistida. O documentário registra a jornada final de Ewert, casado fazia 37 anos com a mulher que o acompanhou até a ingestão da segunda e definitiva dose dos líquidos que matam da maneira mais indolor possível. Ela acaricia sua sobrancelha basta, beija seus olhos, declara amor e deseja ao marido “boa viagem”. Ele morre ouvindo a Nona Sinfonia de Beethoven, conforme pedira. Os dois filhos, um casal de jovens adultos, ficaram em casa. O pai achou que a viagem seria muito dura a viagem para eles.

“Não estou cansado da vida”, diz Ewert. “Estou cansado da doença.”

Observei os comentários de quem viu. Na essência, há um agradecimento comovido a Craig Ewert por ter aberto, com seu gesto, um debate importante e oportuno. Faz mesmo sentido prolongar sofrimento às vezes desumano, em que todos perdem, o doente, a família, os amigos, a sociedade? Quem tem convicções religiososas que as siga, claro. Mas e quem toma uma decisão como a de Craig Ewert, lúcida, meditada?

A Suíça é o único país que permite a não residentes a morte assistida. Ewert pagou o equivalente a pouco mais de 9 000 reais por um pacote que incluía, fora a morte, a cremação e o despacho das cinzas. Mais de 1 000 pessoas já procuraram os serviços da Dignitas.

É uma clínica extremamente familiar aos britânicos. Boa parte dos turistas suicidas é composta de pessoas do Reino Unido. Aqui se trava um debate forte em torno da legislação. Teoricamente, você pode pegar 14 anos de cadeia ao voltar ao Reino Unido depois de haver levado um doente para a morte na Dignitas. Na prática, não é o que tem acontecido. No ano passado, os dois filhos de um casal, ele um maestro admirado, acompanharam os pais na viagem à Suíça. Ela estava com um câncer terminal e ele, velho e doente, decidiu morrer com a mulher. O caso mesmerizou os britânicos.

Os filhos não foram presos.

Há uma pressão forte para que a legislação seja alterada no Reino Unido, e tudo indica que em breve o risco de cadeia será extirpado da legislação.

O documentário de Zaritsky coloca delicidamente você dentro da Dignitas e dentro da mente de um homem que, enquanto pôde, optou por não se transformar num vegetal. Zaritsky estava à procura de um personagem para este documentário. Não queria que fosse alguém num estado lastimável, mas sim quem ainda tivesse a alternativa de seguir adiante.

Encontrou em Ewert o homem ideal.

Montaigne disse que a estatura de uma pessoa se mede mesmo é na hora da morte, e citava exemplos de bravura como o de Sócrates, o de Catão e o de Sêneca. Por essa métrica Ewert provou grandeza, como o filme mostra.

Numa entrevista, um apresentador de tevê perguntou a Zaritsky o que ele sentira no momento final do astro de seu documentário. “Fazia já um tempo que estávamos juntos”, respondeu ele. “Ambos estávamos preparados para aquele momento.”

Não há pieguice e nem agressividade no trabalho de Zaritsky. O tom é correto em todo o percurso, mesmo quando um funcionário da Dignitas conta o caso de um garoto de Liverpool que, completamente sem movimentos, podia ainda falar. O rapaz pediu para morrer ouvindo Beatles. Não havia na Dignitas músicas dos Beatles. E então os dois, paciente e funcionário, cantaram juntos The Long and Winding Road e Obladi Oblada.

Se eu tivesse que escolher uma única palavra para expressar meu sentimento em relação a Ewert e Zaritsky, diria: obrigado.

OBS:- ASSISTA AO VÍDEO NO LINK ACIMA " O TURISTA SUICIDA"

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